segunda-feira, 11 de julho de 2011

Matar ou Morrer, o antiwestern

Em 28 de março de 2004, publique esse artigo sobre o filme "Matar ou Morrer" no Jornal da Cidade (Aracaju)

Matar ou Morrer, o antiwestern

Murilo da Silva Navarro(*)

O western é um gênero de filme que tem suas origens nos primeiros anos de formação da sétima arte. Em dezembro de 1903 estreava nos Estados Unidos O Grande Roubo do Trem, produzido por Thomas Alva Edson e dirigido por Edwin S. Porter. Inspirado nas ações de Jesse e Frank James, Butch Cassidy e Sundance Kid, entre outros, o filme é considerado o primeiro western e conta a história do ataque de dois bandidos a um trem em movimento, o assalto, a fuga, a perseguição e o embate final, em que os assaltantes são mortos. Algumas das ações que se tornariam comuns aos westerns estão ali usadas pela primeira vez.

Durante algumas décadas, esse gênero foi para o mundo inteiro o símbolo da produção cinematográfica americana: aventura, amor, tiros, duelos, sallon, pôquer e perseguições a cavalo, que são clichês do gênero, encontram-se tanto na evocação da vida de um famoso fora-da-lei ou na travessia do continente por colonos, como na reconstituição da vida de um forte ou dos grandes ranchos.

Apesar de algumas imprecisões históricas, o western é um gênero que proporcionou a Hollywood um grande número de obras primas dirigidas por nomes como John Ford (o mestre do gênero), Howard Hawks, Anthony Mann, Raoul Walsh, John Sturges, Delmer Davis, Budd Boetticher e renovou-se nos anos 60 e 70 nas mãos de cineastas como Sergio Leone (o mestre do Western spaghetti) e Sam Peckinpah.

Tanto sob a forma clássica ( em que predominam a simplicidade e a ação) como nas configurações renovadas e amadurecidas dos westerns produzidos a partir da década de 50 (caracterizados pela abordagem mais crítica, maior fidelidade à história e um estilo mais realista), o faroeste sempre venceu o descrédito dos que o enterravam prematuramente. Prova disso foi o grande sucesso de crítica e de público obtido por Clint Eastwood em Os Imperdoáveis (1992), no qual mostrou que o gênero ainda pode render grandes momentos.

Em ruptura com o western clássico que até 1950, apresentava o índio como um selvagem cruel, estrangeiro em sua própria terra e desmistificando muitas das imagens da conquista do oeste, surgiram alguns filmes que geraram profundas modificações no gênero. A lenda se alterou diante de uma visão mais crítica e exata dos fatos. O oeste selvagem de Tom Mix e Roy Rogers perdeu um pouco a sua aura. O cowboy romântico desapareceu e surgiu a sua verdadeira face, um ser frágil e vulnerável que pouco diferencia do homem comum. O momento histórico pelo qual passava os EUA também favoreceu essa mudança no gênero. O macarthismo e os problemas dos conflitos raciais na América se projetaram sobre o cinema e quebraram a imagem tradicionalmente otimista do western.

O filme que primeiro esboça as principais características do faroeste psicológico é O Matador (1950), de Henry King. Nele, um pistoleiro quer refazer sua vida e viver em paz com a família, mas sua fama de às no gatilho continua atraindo homens que querem desafiá-lo. Cada um deles quer se tornar o homem que o derrotou em duelo. O drama principal do personagem interpretado por Gregory Peck não é descobrir os bandidos ou tomar o partido de alguém que esteja sofrendo algum tipo de opressão, é, sim, resolver o dilema que sua fama de rápido no gatilho lhe trouxe em nível existencial.

Entretanto, os dois filmes que melhor caracterizam essa transformação pela qual passou o western foram os Brutos também amam (53), de George Stevens e principalmente, Matar ou Morrer (52), de Fred Zinnemann.

Matar ou morrer é uma espécie de antiwestern, não só por ter uma relação com a realidade da época em que foi realizado (constituindo em uma alegoria do comportamento apático e passivo que uma enorme parte da sociedade norte-americana teve em relação à caça às bruxas deflagrada pelo senador Joseph McCarthy), como também por apresentar um outro tipo de herói.

O xerife Will Kane (Gary Cooper) não é mais aquele homem invencível, seguro de si mesmo e dos valores que representa e defende, mas um indivíduo angustiado, desencantado e traído, que finalmente conquistará a sua própria estima antes de deixar a cidade que ele salvou contra a vontade dos moradores e que ele agora despreza. No dia do seu casamento, Kane recebe a notícia de que o bandido Frank Miller (Ian McDonald), que ele prendeu no passado, está livre e regressando no trem que chega ao meio-dia para matá-lo. Kane busca ajuda entre os moradores da cidade, mas eles dão as costas ao xerife que outrora estabeleceu a paz e a ordem na cidade de Hadleyville.

Matar ou Morrer é um western sólido, sóbrio e bem construído, que, contrariando os cânones tradicionais do gênero, não se apóia na ação física – uma constante do western clássico. A dimensão psicológica dos personagens adquire aqui uma importância fundamental: a descrição minuciosa da conduta de cada um, a crescente angústia do xerife situado entre a obrigação moral e o instinto de conservação.

Usando um recurso raríssimo no cinema, Zinnemann filma sua história em tempo real: os relógios da torre da igreja, da estação de trens e do sallon vão mostrando os minutos, até o meio-dia, hora do desembarque de Frank Miller.

A trilha sonora de Dimitri Tiomkin e Ned Washigton lembra sem cessar o tema do abandono, e a montagem de Elmo Williams e Harry Gerstad, bastante seca, é cada vez mais rápida, à medida que se aproxima o clímax. A fotografia de Floyd Crosby é primorosa e os enquadramentos são bastante elaborados e cheios de sentido. No elenco estão Grace Kelly, em seu segundo papel no cinema, Lloyd Bridges, a atriz mexicana Katy Jurado, Thomas Mitchell, Otto Kruger, Lee Van Cleef e Lon Chaney Jr.

O roteiro é livremente adaptado de uma história publicada em dezembro de 1947 na Collier´s Magazine, chamada The Tin Star, do escritor John W. Cunningham. O roteirista Carl Foreman foi afastado da produção e posto na lista negra macartista, o que o obrigou a emigrar para Londres, onde continuou a escrever roteiros. Com o script de A Ponte do Rio Kwai ele ganhou o Oscar de melhor roteiro em 1957. Nos anos 60, depois de retornar a Hollywood, Foreman abriu sua própria produtora, tendo escrito o roteiro e produzido Os Canhões de Navarone, de 1961.

Em 1980, Matar ou Morrer teve um continuação feita para a TV, com Lee Majors,e uma refilmagem futurista interessante dirigida por Peter Hyams chamada Outland – Comando Titânio, em 1981. O diretor Carlos Manga parodiou o filme em uma deliciosa comédia estrelada por Oscarito e Grande Othelo chamada Matar ou Correr, em 1954.

(*)Mestre me Física, Professor Universitário e Cinéfilo

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