quarta-feira, 6 de julho de 2011

Alfred Hitchcock : O Cineasta que sabia demais (*)

No ano de 2003, publiquei esse artigo sobre Alfred Hitchcock no Jornal da Cidade e na Gazeta de Sergipe. Boa leitura!!





Alfred Hitchcock : O Cineasta que sabia demais (*)

Nascido em Londres, em 1899, Alfred Hitchcock é um dos poucos diretores na história do cinema cuja carreira foi marcada pelo equilíbrio entre o sucesso comercial e o cinema de autoral que desenvolveu em seus filmes. A unanimidade conseguida por ele entre o público, a crítica e os companheiros de profissão é algo raro no universo da sétima arte. O segredo para tanto sucesso estava na extraordinária capacidade de o diretor inglês contar uma história. A fórmula aplicada por ele na maioria dos seus filmes, em 50 anos de carreira, foi a de filmar o oposto dos estereótipos estabelecidos (a protagonista principal de Psicose morre no início do filme), cuidar da coerência da intriga e explorar os aspectos mais ambíguos da alma humana.
Mestre do humor refinado (tipicamente inglês) e gênio do suspense (gênero que ajudou a criar e desenvolver), Hitchcock legou ao cinema mais de 40 filmes de inquestionável qualidade técnica e artística. Obras como Janela Indiscreta (1954), Um Corpo que cai (1958), Psicose (1960) e Os Pássaros (1963), são exemplos de sua melhor cinematografia.
Em seus filmes os temas correntes são a culpa, a troca de identidade, as mulheres e o erotismo, além da música como elemento dramático. O cinema Hitchcockiano coloca em cena personagens turvos marcados pelo passado, muitas vezes desequilibrados por um defeito ou uma perversão oculta, inocentes confundidos como culpados, perseguidos por forças que os ultrapassam e precipitam-nos em aventuras incompreensíveis para eles. São sempre objeto de uma análise psicológica minuciosa. Outros assuntos poucos usuais, como o do crime perfeito e o homossexualismo, aparecem na película Festim Diabólico ( 1956 – produção também notória pela ausência de montagem posterior, com plano-sequências de dez minutos, correspondendo cada um ao conteúdo de uma lata de filme).
Foi em The Lodger (1926), inspirado nos crimes de Jack – O Estripador, que Hitchcock apresenta pela primeira vez o seu célebre método de construção dramática: em vez de fazer com que o verdadeiro criminoso só seja revelado no final, optou por mostrá-lo desde o início. Com isso, o espectador, em vez de testemunha da história, torna-se uma espécie de cúmplice. Outro mecanismo explorado por Hitchcock no filme foi a troca de identidade: o herói tem que provar a sua inocência, perseguindo o verdadeiro criminoso, ao mesmo tempo em que foge da polícia. Hitchcock retomaria a ideia em produções como Sabotador (1942), Pacto Sinistro (1951), O Homem Errado (1956) e o insuperável Intriga Internacional (1959).
The Lodger também foi o primeiro filme em que Hitchcock fez sua tradicional aparição. Segundo ele, “Era uma cena de multidão e não havia extras suficientes”. Estas aparições inclusive se tornaram uma marca, tanto que com o passar dos anos Hitchcock aparecia mais no início dos filmes, pois a audiência ficava tão preocupada em vê-lo que desviava a atenção da trama.
Hitchcock desenvolveu cada vez mais sua técnica e aprimorou as ideias aprendidas com o expressionismo alemão e os filmes de Fritz Lang. Ganhou notoriedade e prestígio ao dirigir os filmes Chantagens e Confissões (variação em torno da equação “casal-crime-culpa” e primeiro filme inglês falado – 1929), O Homem que sabia demais (1934 e refilmado por ele em 1956), Os 39 Degraus (1935) e a Dama Oculta (1938).
O prestígio conseguido com seus filmes ingleses lhe rendeu um convite para dirigir filmes na América. O produtor de “E o vento levou (1939), David O. Selznick contratou Hitchcock (que se sentiu atraído pela ideia de trabalhar nos grandes estúdios de Hollywood) porU$ 800 mil para realizar inicialmente 4 filmes.
A estréia do cineasta inglês não poderia ser melhor: Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940), com Jan Fontaine e Laurence Olivier, levou o Oscar de melhor filme e o segundo prêmio consecutivo para Selznick após o triunfo de E o vento levou. Hitchcock recebeu também indicações ao Oscar por seu trabalho em Um Barco e Nove Destinos (1943), Quando fala o coração (1945), Janela Indiscreta e Psicose, mas nunca ganhou a estatueta. Em 1967, recebeu da Academia o prêmio Irving G. Thalberg, pelo conjunto da sua obra.
Depois desse primeiro sucesso, Selznick começou a lucrar com o contrato de Hitchcock, emprestando-o a outros estúdios. Para a RKO, o diretor retomou a parceria com Joan Fontaine e fez Suspeita (1941). Foi o primeiro de quatros filmes que fez com Cary Grant, um de seus atores favoritos.
Na Universal, Hitchcock dirigiu o filme A Sombra de uma dúvida(1942), que décadas depois, mencionava em suas entrevistas ter sido a produção que mais gostava de ter feito. Segundo ele, não houve qualquer discrepância entre intenção e execução, e ele ficou mais do que satisfeito com o resultado. O filme é um dos seus trabalhos mais sutis e cheio de nuances. O roteiro foi co-escrito por sua esposa Alma Reville juntamente com o escritor Thornton Wilder, autor da peça “Nossa Cidade” e concluído com a participação de Sally Benson. A linguagem cinematográfica é clássica, eficaz, que serve para descrever, além de um suspense bem conduzido, uma pequena cidade dos EUA, uma família de americanos médios e o caráter bastante complexo do personagem de Tio Charlie, interpretado pelo ator Joseph Cotten. Alguns movimentos de câmera, de apurada técnica, são tão perfeitos que não se deixam ver, e jamais são gratuitos. Segredo e culpa compartilhados entre dois personagens, o tio Charlie e sua sobrinha Charlotte (Teresa Wright), que também se chama Charlie, seria um tema corrente em filmes como O Marido era o culpado (1936) e Pacto Sinistro (1951). A trilha sonora, um ponto fundamental para entender a obra de Hitchcock, foi composta por Dimitri Tiomkin e baseava-se na valsa “Lábios guardam segredos, violinos sussuram-nos” da opereta “A Viúva Alegre” de Franz Lehàr.
A parceria de Hitchcock com Tiomkin continuaria em Pacto Sinistro e Disque M para Matar (1954). Entretanto, uma parceria mais prolífica e duradoura da história do cinema foi a que existiu entre Hitchcock e o compositor Bernard Herrmann. Durante os 11 anos de parceria Hitchcock/Herrmann (1955-1966), foram lançados os melhores filmes do diretor e as trilhas musicais mais significativas para o cinema. Para o mestre inglês, Herrmann escreveu a trilha musical de oito filmes. Como não lembrar-se dos acordes sequenciais de violino compostos por Herrmann para a cena do chuveiro em Psicose?
Entre as décadas de 50 e 60, o cineasta coordenou duas telesséries de suspense -“Alfred Hitchcock Presents”(1955-65), na CBS, e “The Alfred Hitchcock Hour”(1962-65), na NBC. No total, Hitch acabou dirigindo nada menos que 20 telefilmes, 17 curtas e apenas três de média metragem. Em vez das breves aparições de seus filmes, o cineasta apresentava e encerrava, sempre com textos muito engraçados, cada um dos episódios de suas telesséries. Esse período o tornou ainda mais conhecido e respeitado.
O legado de Hitchcock para o cinema é incalculável. Além de ter produzido filmes inovadores de extrema beleza e requinte, elevou a linguagem cinematográfica a patamares até então inimagináveis. Um artesão que mostrou o amor pelo cinema, ao exibir em sua obra um cuidado com a qualidade da imagem, com a montagem, o roteiro e um profundo respeito à inteligência do espectador. Deixou uma legião de admiradores como François Truffaut, Brian de Palma, Eric Rohmer , Claude Chabrol e assegurou seu lugar no trono de mestre dos thrillers psicológicos.



(*)Murilo da Silva Navarro – Mestre em Física pela UFS e Cinéfilo.

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