terça-feira, 12 de julho de 2011

Injusto e desequilibrado - Lúcia Guimarães

NOVA YORK

O escândalo do grampo telefônico, que já fechou um tabloide britânico de 168 anos, fez evaporar $ 2,6 bilhões das ações da News Corp. nos Estados Unidos e encosta perigosamente no governo do primeiro-ministro David Cameron na Inglaterra, tem implicações transatlânticas. Deve interessar a qualquer habitante de uma praia onde Rupert Murdoch venha a desembarcar, agora que o tapete de boas-vindas na Inglaterra está sendo puxado sob os pés do empresário.

Desde a década de 70, o memorando "Um Plano para Colocar o Partido Republicano no Noticiário" dormia na Biblioteca Nixon. O sono do documento presidencial foi interrompido pelo repórter americano John Cook, do site Gawker. O texto resume a visão do então assessor de Richard Nixon, Roger Ailes, para incentivar uma cobertura pró-Casa Branca. Ailes é hoje apontado por observadores políticos como o homem mais poderoso do Partido Republicano. Mas ele não preside o partido e sim uma rede de TV.
Desde 1996, Roger Ailes é fundador da rede Fox News, de Rupert Murdoch e seu passado como assessor/propagandista de Nixon e de George Bush, pai, está intimamente ligado ao DNA da rede que Murdoch fundou sob o lema "Justa e Equilibrada".

"O jornalismo de TV é visto com maior frequência do que as pessoas leem jornais, ouvem rádio, mais do que as pessoas leem ou acessam qualquer outra forma de comunicação", dizia Ailes, no memorando dos anos 70. "A razão: As pessoas são preguiçosas. Com a TV, você só senta - assiste - e ouve. Outros pensam por você."

Sob a inspiração de Ailes, a Fox News se tornou o mais visto canal de notícias no cabo americano, humilhando a inventora do formato, a CNN, com um pseudojornalismo de opinião.
Com a vitória de Barack Obama, em 2008, Ailes viu uma oportunidade para investir pesado num elenco de talking heads de direita e contratou um punhado de aspirantes à presidência, de Sarah Palin (não declarada) a Mike Huckabee (desistiu de concorrer, encantado com a afluência permitida pelo salário na TV).

O público americano deve à Fox a campanha bem-sucedida para identificar o plano do seguro-saúde do governo Obama como uma conspiração para destruir a liberdade individual. O circo Tea Party teve sua lona erguida com grande impulso do canal. A TV a cabo americana exibe outras opiniões - a MSNBC é a casa dos liberais de esquerda -, mas nada se compara à sistemática campanha de desinformação oferecida pela Fox. Ironicamente, a cara da oposição ao envenenamento da mídia americana por Rupert Murdoch é um comediante baixinho de New Jersey. Jon Stewart, em 2009 identificado como a mais confiável fonte de jornalismo numa pesquisa de opinião americana, pode ser visto, no seu programa de segunda a quinta no canal Comedy Central, satirizando o elenco da Fox.

O governo Obama atravessa um verão pantanoso de desemprego resistente às conhecidas medidas de estímulo, a batalha pelo déficit e um desencanto dos democratas pelas promessas não cumpridas. Murdoch e seus asseclas farejam sangue e são mestres em cortejar os porões do descontentamento da classe média branca, desviando atenção para temas como religiosidade e conservadorismo social.
Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch conseguiu crescer graças ao apoio político para dobrar várias leis de restrição ao monopólio na mídia. Murdoch é dono de dois jornais diários e uma TV no mercado nova-iorquino, algo impensável há 30 anos.

Não é justo igualar a subserviência de todos os primeiros-ministros ingleses, de Margaret Thatcher a David Cameron, ao magnata australiano que odeia o establishment inglês, à relação de presidentes americanos, com exceção de Bush filho, com a Fox.

Se ainda é possível eleger um presidente americano sem o sinal verde do conglomerado de Murdoch, não há dúvida de que seu poder sobre a direita americana faz do sinistro magnata australiano uma força destrutiva para a democracia.

Em Londres, há comentaristas confiantes de que o extraordinário trabalho do jornalista Nick Davies, o tenaz investigador do escândalo dos grampos, no Guardian, desfechou um golpe decisivo contra a influência corruptora de Rupert Murdoch na vida política britânica. Em Manhattan, onde o empresário de 80 anos é visto com frequência desmontando mais uma tradição do jornalismo na sede de seu novo trem elétrico, o Wall Street Journal, há sinais crescentes de alívio.

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