quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os Gaddafi, como os Mubarak, controlam setores econômicos de seus países

Maite Rico
Em Madri (Espanha)


As revoluções que estão fazendo cair como peças de dominó as ditaduras árabes têm como efeito inevitável a fiscalização das fortunas reunidas pelos autocratas e seus chegados. Agora foi a vez de Muammar Gaddafi, cujos negócios familiares, especialmente opacos, têm sua fonte principal no petróleo. Os especialistas não dão números, mas não duvidam de que o espólio retirado dos cofres líbios pelo clã Gaddafi chegue a "bilhões de dólares", de acordo com as diferenças anuais entre as receitas do Estado e os gastos públicos. E suspeitam da existência de vultosas contas secretas em Dubai, no Sudeste Asiático e em vários países do Golfo.
Segundo os telegramas da diplomacia americana vazados pelo Wikileaks, a família do ditador cometia uma constante sangria de receitas na Companhia Nacional de Petróleo. Seus tentáculos também alcançam os setores das telecomunicações, da construção e da hotelaria. Os despachos diplomáticos dão conta de comportamentos pouco edificantes dos filhos de Gaddafi, como as disputas entre três deles pela franquia da Coca-Cola ou a exigência de Mutassim, o quarto de seus herdeiros, de 880 milhões de euros à companhia petrolífera estatal para estabelecer sua própria milícia. Mutassim, conselheiro de Segurança de seu pai, é famoso por contratar para suas festas privadas cantoras como Mariah Carey ou Beyoncé.

Além disso, o Estado líbio como tal investiu no exterior cerca de 70 bilhões de euros através da Autoridade Líbia de Investimentos. Segundo o jornal britânico "The Guardian", o portfólio desse fundo soberano criado em 2006 inclui várias empresas estratégicas italianas - desde a petrolífera ENI à indústria aeroespacial - e um shopping center em Londres. Claro que, como sempre, as fronteiras entre o "Estado" líbio e os bolsos dos Gaddafi são confusas. Dos investimentos privados da família se conhecem os hotéis de luxo e duas engarrafadoras de água na Itália.
Na realidade, o padrão de enriquecimento dos Gaddafi é o habitual nos regimes autoritários, e não só no Oriente Médio: o líder se mantém aparentemente à margem, mas permite que sua família e próximos manipulem o país como seu feudo, de forma mais ou menos ostensiva. Ou mesmo grotesca. Tal é o caso de Leila Trabelsi, mulher do derrubado presidente tunisiano Ben Ali, cabeça de uma autêntica cleptocracia que, segundo a Transparência Internacional, controlava entre 30% e 40% da economia da Tunísia, e que em sua fuga precipitada ainda teve tempo de passar pelo banco central para levar 1,5 tonelada de ouro em lingotes, segundo publicou o jornal francês "Le Monde".
No caso do egípcio Hosni Mubarak, alguns especialistas acreditam que os números estimados sobre sua fortuna (entre 40 e 70 milhões de euros) são exagerados. "Sobram um ou dois zeros", declarou recentemente à emissora France 24 o especialista Jean-Noël Ferrié. Os Mubarak participaram de negócios, receberam comissões e acumulam bens de raiz nos EUA e no Reino Unido. Mas enquanto na Tunísia o clã Trabelsi e seus amigos controlavam toda a riqueza, no Egito, explica Ferrié, diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, "a corrupção salpicava toda a sociedade", seguindo um esquema clientelista. Mubarak, como fez seu antecessor Sadat, permitia que amplos setores (militares, funcionários públicos) tirassem proveito para garantir seu apoio.


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

EUGÊNIO BUCCI - Meu corpo, meu oponente

Uma declaração aparentemente frugal do futebolista Ronaldo Luís Nazário de Lima, que anunciou sua aposentadoria este mês, diz mais sobre as crenças do nosso tempo do que uma biblioteca inteira de antropologia americana. Normalmente, os pronunciamentos dos praticantes profissionais de futebol não revelam coisa alguma; reduzem-se à fórmula "nossa equipe está bem, graças a Deus, tática, física, técnica e psicologicamente, vamos respeitar o adversário e, se Deus quiser, o empate já está bom". Com pequenas e raras exceções, aí dentro cabem todas as palavras de todos os craques brasileiros de todos os tempos. Mas, na entrevista coletiva que concedeu no dia 14 de fevereiro, Ronaldo nos trouxe uma exceção. "Perdi para o meu corpo", ele disse. Não vai mais jogar bola. A frase merece atenção.

A trajetória esportiva desse atleta de talento perturbador, chamado de "Fenômeno", é a história de superações físicas inacreditáveis. Ele sofreu fraturas e lesões gravíssimas e, contrariando previsões abalizadas, voltou a brilhar nos estádios, para alegria dos torcedores e até mesmo de espectadores exóticos, que não compreendem a aura dessa modalidade desportiva baseada em chutes e cabeçadas. Uma cena ficou na lembrança de todo mundo: a expressão de dor lancinante de Ronaldo, sentado à frente da grande área, com as mãos sobre o joelho, talvez tenha sido uma das imagens mais marcantes na memória recente dos apreciadores do futebol e também dos curiosos ocasionais. Foi um momento de silêncio sólido, espontâneo, de imensa apreensão. O craque, como que abatido em pleno voo, parecia condenado. Nos meses seguintes, no entanto, ele deu a volta por cima, como se diz - ou, para lembrarmos sua frase mais recente, venceu seus ossos e seus músculos lesionados.

Antes, nos duelos entre Ronaldo e o corpo de Ronaldo, o primeiro alcançava a vitória. Claro que respeitava o adversário - a saber, seu próprio corpo -, mas dava conta de derrotá-lo. Agora, no entanto, quem sofre a derrota é ele, Ronaldo. O que isso quer dizer, exatamente?

Podemos começar pelos chavões: querer é poder, por exemplo. Eis um bom chavão. "Yes, we can", dizia a campanha de Obama. "Keep walking", reza o rótulo do uísque. A ideia de "vencer" os limites corporais é uma crença endêmica da nossa era. Os melodramas de superação fazem sucesso na televisão e no cinema, assim como na publicidade. Há poucos anos, uma marca de cigarro tinha um slogan bem sugestivo: "No limits." Ou seja: fume, não aceite restrições, entregue-se ao que você entende como desejo, aspire seu prazer, derrube os obstáculos morais e físicos.

Neste plano, notoriamente superficial e acachapante, o discurso publicitário se assemelha às falas dos zagueiros no intervalo do jogo: a gente vai vencer e ser feliz pra chuchu com a taça na mão. Para ser feliz, portanto, é preciso competir, vencer e pôr a mão na coisa. Competir para ser feliz é bater-se contra o adversário e contra os limites do próprio corpo. Ser feliz, enfim, segundo esse sistema de crenças, é fazer com que o desejo triunfe sobre a matéria corporal e sobre todos os outros humanos que são contra o que desejamos. Tanto é assim que esses lugares comuns, que dão base para as novelas de TV e para campanhas de publicidade, orientam a biografia de seres humanos de carne e osso, em luta permanente contra sua carne e seus ossos.

Então é isso? Não, não é só isso. Há uma problema nessa lógica, um problema nada corriqueiro. Se sairmos do plano superficial e acachapante, veremos que o desejo - já que falamos dele - não é bem um sinônimo de força de vontade. É, aliás, o seu oposto. O desejo não brota da alma para disciplinar o corpo. Ao contrário, ele se enraíza nas pulsões do organismo, cujas secreções são todas físicas, materiais. O desejo nasce do corpo, compete contra o corpo e, se por acaso entra em rota de desgoverno, mata o corpo. Não fosse assim, ninguém morreria de vício. Daí, quando alguém diz que perdeu o combate para o próprio corpo, é difícil saber se perdeu por não ter sabido impor ao corpo a sua vontade - ou se perdeu por ter cedido em demasia aos desejos que brotaram do corpo (e aqui, nesse plano, é possível diferenciar vontade de desejo).

Podemos perder para o corpo quando ele não nos obedece mais - ou seja, não obedece à nossa vontade, àquela deliberação racional que adotamos e que queremos fazer valer com persistência e determinação. Mas também podemos perder para o corpo quando cedemos a todos os caprichos que ele nos impõe, quando a nossa razão, se é que ela existe, perde autonomia para a nossa carne (que não é fraca, de modo nenhum; é fortíssima).

Isso posto, onde é mesmo que está a derrota anunciada por Ronaldo? Estará ela no esmorecimento da disciplina ou no esmorecimento do corpo? Se estiver no esmorecimento da disciplina, sua derrota não terá sido para o joelho ou para a tireoide, mas para os prazeres que o corpo lhe cobrou, prazeres que minaram sua força de vontade. Se estiver no esmorecimento do corpo, sua derrota terá sido a fadiga do material: não dá mais e ponto. O mais provável - e o mais fascinante, neste caso - é que as duas vias de explicação estão certas.

Por uma via ou por outra, a civilização em que existimos tem este traço particular, o de fazer com que o sujeito olhe para o seu próprio corpo como se ele fosse um objeto externo, administrável. O executivo, olhando para o gráfico de colesterol de seus exames de sangue periódicos, crê que pode gerenciar seu corpo como administra o caixa de sua empresa. A mulher contrata o cirurgião para esculpir seu colo a golpes de bisturi. Viver é combater o corpo, inutilmente. No final, é ele quem vencerá, mesmo morto. Quando tudo acabar, o que carregarão de nós não será outra coisa senão o corpo vencedor.

JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP E DA ESPM

É preciso leiturizar

Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo (PR) na segunda-feira (21)

*Araci Asinelli-Luz

É preciso buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito.

O termo leiturização foi apresentado por Jean Foucambert, do Instituto de Pesquisas Pedagógicas da França, em entrevista à Revista Nova Escola (1993). Suas preocupações estavam centradas em como se dá o processo de alfabetização que, frequentemente, coloca a criança diante da transcrição oral da escrita e, quase nunca, ante o funcionamento real da escrita, reduzindo em muito as possibilidades de se formarem leitores, ou seja, pessoas capazes de aprender que a linguagem escrita não é a representação da realidade e sim um ponto de vista sobre essa realidade.

Seus escritos permitem identificar três comportamentos diante do texto ou realidade a ser lida: o ledor/a ledora, aquele e aquela que decifra linearmente os códigos e signos apresentados da linguagem escrita, sem qualquer sinal de proatividade e interação com a mensagem ali expressa. Um bom exemplo de ledor é o sujeito que faz a "leitura" da água em minha casa. Observa o relógio da água, digita alguma coisa em uma maquininha que traz consigo e em seguida me entrega um protocolo onde está impresso o quanto foi consumido de água no período e o quanto devo pagar na data que ali se encontra. Sua função não lhe permite ler, além disso. É incapaz de perceber que na casa de uma professora não pode ter um consumo de água nesse valor, alguma coisa deve estar errada. É também o personagem da televisão, o Zeca Diabo, que sabia ler de "carreirinha".

Há também o leitor/a leitora, a maioria das pessoas que teve acesso a um bom processo de alfabetização e letramento e, na escola formal, teve oportunidade de ler textos diferenciados e literatura interessante. A leitora e o leitor entendem perfeitamente a mensagem expressa no texto e são capazes de interpretar e resumir o que o autor quis expressar. Quando muito hábeis vão um pouco além e costumam posicionar-se sobre o texto, expressando sua crítica. Um bom exemplo são os universitários, os pós-graduandos e suas produções acadêmicas a partir das "revisões de literatura".

Foucambert, no entanto, propõe que sejamos leiturizadores. A leiturização exige uma leitura crítica de intenções, dos entremeios, das entrelinhas, sob suspeição. "Olhar um texto é forçosamente se perguntar o que pretende a pessoa que o escreveu". Exige mais do que interpretar, exige se perguntar o porquê daquela palavra, daquela forma de expressar a mensagem, o que pode advir dos significados ali expressos. "Não significa que todos os textos tenham más intenções", mas é preciso ir além da linearidade do que está dito ou escrito.

Paulo Freire falava em "leitura de mundo", para exercer a cidadania plena e postulava a educação como ato político. Em se tratando de política, com a interdependência entre os políticos que temos, o que dizem e fazem, as políticas públicas e a rede de múltiplos fatores que aí se encontram, é necessário leiturizar. Um bom exemplo é buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito. Assim, compartilho um exercício para aprendizagem: o que pretende um político vaidoso autodenominar-se benemérito ao tentar transformar um fato imoral em ato formal de caridade? Que intenções estão por trás da anunciada "moralização da Assembleia" se quem a escreve até pouco tempo era contrário a ela?

Como gerar motivação para o trabalho nomeando líderes com histórias em que falta a ética no trabalho? Como acreditar em valorização da educação se a acolhida dos estudantes no seu primeiro dia de escola é cheia de vazios? Como entender a não criação da Defensoria Pública no Estado, em nome da contenção de gastos, e aprovar aumentos questionáveis em causa própria? Como interpretar a gratificação aos policiais que protegem deputados em detrimento aqueles que protegem toda uma população?

Se "ler o mundo", com seus desastres bioecológicos, seus sistemas de governo, suas alianças políticas e de poder, a generosidade dos povos frente às catástrofes, a beleza da natureza como dádiva de Seu Criador, a inteligência humana na ciência, nas tecnologias e nas inovações, ainda é muito complexo para grande parte da população, leiturizar o mundo vai exigir muito esforço, reflexões e intencionalidade. O resultado? Quem sabe um Brasil mais ético, mais criterioso e menos desigual.

*Araci Asinelli-Luz, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é doutora em Educação.

A batalha dos tablets opõe conglomerados jornalísticos e indústrias eletrônicas

Postado por Carlos Castilho em 23/2/2011 às 16:13:59



O lançamento de vários projetos de publicação de notícias em formato tablet parecia a grande promessa de salvação dos conglomerados da indústria de jornais, mas em vez de uma saudável disputa por público, os principais protagonistas acabaram envolvidos numa brigaThe Daily por dinheiro.

A empresa Apple quer cobrar 30% de todo o faturamento gerado pela assinatura de jornais e revistas que usam o tablet iPad como plataforma de publicação. Além disso a Apple não permite o acesso das empresas jornalísticas às bases de dados de assinantes e anunciantes.

A estratégia da Apple precipitou uma quebra de braço entre os fabricantes de tablets e os produtores de conteúdos jornalísticos num momento em que estes vislumbraram uma opção viável para manter o modelo de negócios baseado na publicidade trocando o papel por uma tela eletrônica.

O conglomerado News Corp, o maior do mundo e controlado pelo milionário australiano Rupert Murdoch, acaba de lançar The Daily, o primeiro jornal/revista produzido exclusivamente para o iPad. O Project, um modelo similar, foi lançado em novembro de 2010 pelo grupo britânico Virgin e o The New York Times tem na manga o projeto News Me, também para a plataforma tablet e com início de vendagem previsto para o primeiro semestre de 2011.

São todos projetos inovadores em matéria de jornalismo porque misturam texto, áudio, imagens e interatividade num mesmo ambiente tecnológico. Há horas em que todos eles parecem televisão, em outras são iguais a um jornal impresso, sem falar que permitem o acesso a redesLogo News Me sociais onde o leitor pode discutir os conteúdos que está lendo ou assistindo. É a tão falada multimídia em ação.

O problema é que todos eles se apóiam na estratégia comercial de atrair pessoas através de notícias para obter visibilidade para produtos e serviços de anunciantes que, por sua vez, viabilizam financeiramente a iniciativa por meio de pagamento de espaços publicitários. Até agora esse modelo sustentou o faturamento das indústrias da comunicação jornalística, mas ele ainda não se provou igualmente rentável na era da internet.

A esta dúvida se somou agora o comportamento da Apple, uma empresa que cresceu e se tornou uma das duas mais valorizadas do mundo apostando sempre no controle absoluto sobre seus produtos eletrônicos. Ela usa o fato do iPad ser o líder de vendas no mercado dos tablets para tentar arrancar vantagens das empresas de comunicação.

Estas acham um absurdo pagar 30% de royalties para publicar seus conteúdos via iPad e ainda mais inaceitável o controle da Apple sobre o perfil dos usuários. A briga pode ganhar novos matizes quando produtos de outros fabricantes entrarem no mercado durante 2011, que já foi batizado de ano dos tablets.

Até então as grandes empresas de comunicação controlavam quase todo o ciclo de produção, mas agora precisam da parceria com fabricantes de equipamentos eletrônicos como os tablets, telefones celulares e computadores. Isto significa dividir faturamento, algo impensável para homens como Rupert Murdoch.

Ao que tudo indica o custo, e não a qualidade, será o fator decisivo nesta batalha, que segundo a revista TechCrunch pode ser a última dos grandes conglomerados jornalísticos, antes de eles se tornarem empresas segmentadas de menor porte, no setor da comunicação.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O futuro do mundo sem fio

Por Ethevaldo Siqueira em 22/2/2011

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 20/2/2011

Depois de participar do Congresso Mundial de Mobilidade (Mobile World Congress 2011) em Barcelona, semana passada, tenho dois sentimentos contraditórios. De um lado, entusiasmo diante do futuro da comunicação móvel. De outro, alguma preocupação diante do que podem fazer as operadoras.

Comecemos pela preocupação. Para muitos especialistas, o grande salto da comunicação sem fio nos próximos cinco anos será, sem dúvida, a explosão mundial do uso do tablet e de outros dispositivos pessoais. Essa previsão nada tem de ficção, mas decorre de simples extrapolação tecnológica. O que me pergunto é se as empresas operadoras brasileiras têm consciência do desafio que terão pela frente e já se preparam para enfrentar o aumento brutal da demanda de banda larga nos próximos cinco anos?

Do lado da indústria, há otimismo diante de alguns avanços tecnológicos notáveis anunciados neste evento de Barcelona. Entre eles, estão as velocidades crescentes de acesso da tecnologia de quarta geração (4G) do celular, denominada Evolução de Longo Prazo (Long Term Evolution ou LTE).

Há uma verdadeira corrida rumo à quarta geração (4G), em especial entre empresas como a Nokia Siemens Networks (joint venture germano-finlandesa), a Ericsson sueca e a operadora japonesa NTT DoCoMo, cujas tecnologias de acesso sem fio estão quebrando a barreira dos 500 Megabits por segundo (Mbps) de download e se aproximando de velocidades impensáveis no passado, da ordem 1 Gigabit por segundo (Gbps).

Miniaturização

Além desse avanço, diversas empresas disputam a corrida na miniaturização dos equipamentos das centrais radiobase (ERBs) e alcançam resultados surpreendentes.

Nessa direção, o avanço de maior impacto foi o da franco-americana Alcatel-Lucent, que anunciou o desenvolvimento de dois minúsculos componentes capazes de substituir totalmente as torres e antenas das atuais estações radiobase (ERBs).

Desenvolvido pelos Laboratórios Bell, em conjunto com grandes operadoras mundiais, e designado comercialmente de LightRadio, o novo sistema, compõe-se de dois pequenos módulos menores do que um maço de cigarros, com a ambiciosa proposta de substituir toda a infraestrutura de torres e antenas das ERBs.

Um dos módulos, chamado simplesmente de "cubo", pesa apenas 300 gramas. Essas duas peças, no entanto, são capazes de transmitir em qualquer frequência situada nas faixas de 400 MHz a 4 GHz e operar em padrões de 2G, 3G e 4G simultaneamente.

Para Wim Sweldens, presidente da Divisão de Comunicação Sem Fio (Wireless) da Alcatel-Lucent, o impacto da nova tecnologia nas comunicações móveis poderá ser enorme: "Com a implantação do LightRadio, teremos muito maior disponibilidade de banda larga nas cidades e seus arredores, melhor cobertura, melhor qualidade e redução de custos. E tudo isso deverá ocorrer numa época em que, para centenas de milhões de usuários em todo o mundo, os tablets deverão dominar a comunicação móvel pessoal e tornar-se verdadeiras janelas abertas para a imensa nuvem da web".

Um sistema de dimensões tão pequenas como o LightRadio poderá reduzir radicalmente as emissões de carbono das ERBs, que, em seu conjunto, correspondem hoje às de uma frota de 15 milhões de automóveis.

Além dessa vantagem, o "cubo" da Alcatel-Lucent deverá contribuir decisivamente para a redução dos investimentos e dos custos operacionais, bem como para ampliar significativamente a área de cobertura das novas ERBs.

Copa e Olimpíada

Vejamos o caso brasileiro. Dois eventos relevantes precisam ser considerados. O primeiro deles será a Copa do Mundo de 2014, quando no mínimo 3 milhões de brasileiros e visitantes estrangeiros vão querer assistir a alguns jogos em seus tablets. Dois anos depois virão os Jogos Olímpicos de 2016, para criar demanda ainda maior, agora para 15 ou 20 milhões de usuários de tablets potencialmente interessados em ver as imagens ao vivo das provas olímpicas.

Nos próximos cinco anos, a demanda de banda larga no País deverá ser no mínimo 10 vezes superior à atual. A maioria dos brasileiros estará vivendo em seu dia a dia as vantagens da computação móvel, do comércio móvel (m-comm), da videoconferência, da TV móvel e de um incontável número de aplicações da internet de banda larga móvel.

O tablet poderá produzir uma nova revolução na comunicação pessoal. Em sua tela, leremos jornais, revistas e livros. Veremos programas de TV aberta ou por assinatura, filmes, shows e transmissões esportivas ao vivo ou gravadas. Poderemos fazer muito mais coisas do que já fazemos com os smartphones. Descobriremos novas opções de conteúdo, com a IPTV e a TV conectada.

Ele será nossa nova opção de cartão de crédito, de prontuário médico, de carteira eletrônica, de mobile-banking, de biblioteca virtual, de servidor portátil de todos os conteúdos que nos possam interessar, a qualquer momento, em qualquer lugar.

Não se surpreendam se, em 2016, mais de 50 ou 60 milhões de brasileiros estiverem usando tablets, que já serão dispositivos híbridos, com as funções de e-readers e smartphones. E graças às novas tecnologias de displays, como a da tinta eletrônica (e-ink ou e-paper), suas telas permitirão perfeita visibilidade até à luz do sol.

República de Bunga-Bunga

Com o dinheiro e as amigas que têm na Itália e na Líbia, francamente, não dá para entender porque Muamar Kadafi e Silvio Berlusconi não largam o osso. Por que, em vez de resistirem à pressão popular, não compram logo uma ilha e lá instalam um país só para eles? A República de Bunga-Bunga, uma nação privê de hábitos pornográficos, grotescos e politicamente incorretos!

Cá pra nós, se misturar a grana, o harém e o mau gosto dos dois num pedacinho da Indonésia ou da Bahia, o lugar vira uma espécie de paraíso dos cafajestes endinheirados de todo o mundo: sheiks, bicheiros, marajás, presidentes de confederações de futebol e de assembleias legislativas, chefes de estado e de milícias, ex-banqueiros em liberdade condicional, vilões do núcleo rico da novela das 9…

Até quando Kadafi e Berlusconi vão enfrentar as multidões descontentes nas ruas? Será que gostam mais do poder que da luxúria? Preferem cultivar o ódio nos quatro cantos do planeta a celebrar o amor naquelas festas com enfermeiras búlgaras, dançarinas brasileiras, apresentadoras de TV italianas, amigas do Ronaldinho Gaúcho e o escambau?

Nessas horas é que a gente vê quem é safado e quem gosta de safadeza, né?

Blog do Tutty Vasques


112 formas diferentes de escrever o nome do ditador Líbio

  • O site do jornal americano The Christian Science Monitor encontrou uma forma inusitada de abordar a crise na Líbia. A publicação colocou no ar uma reportagem na qual debate qual é a grafia correta do nome do ditador da Líbia, que é chamado de Muammar Khadafi por ÉPOCA. O jornalista lembra um post antigo de um blog da ABC News que listou 112 formas diferentes de escrever o nome de Khadafi e explica o motivo de tanta confusão:


Qaddafi, Muammar

Al-Gathafi, Muammar

al-Qadhafi, Muammar

Al Qathafi, Mu'ammar

Al Qathafi, Muammar

El Gaddafi, Moamar

El Kadhafi, Moammar

El Kazzafi, Moamer

El Qathafi, Mu'Ammar

Gadafi, Muammar

Gaddafi, Moamar

Gadhafi, Mo'ammar

Gathafi, Muammar

Ghadafi, Muammar

Ghaddafi, Muammar

Ghaddafy, Muammar

Gheddafi, Muammar

Gheddafi, Muhammar

Kadaffi, Momar

Kad'afi, Mu`amar al- 20

Kaddafi, Muamar

Kaddafi, Muammar

Kadhafi, Moammar

Kadhafi, Mouammar

Kazzafi, Moammar

Khadafy, Moammar

Khaddafi, Muammar

Moamar al-Gaddafi

Moamar el Gaddafi

Moamar El Kadhafi

Moamar Gaddafi

Moamer El Kazzafi

Mo'ammar el-Gadhafi

Moammar El Kadhafi

Mo'ammar Gadhafi

Moammar Kadhafi

Moammar Khadafy

Moammar Qudhafi

Mu`amar al-Kad'afi

Mu'amar al-Kadafi

Muamar Al-Kaddafi

Muamar Kaddafi

Muamer Gadafi

Muammar Al-Gathafi

Muammar al-Khaddafi

Mu'ammar al-Qadafi

Mu'ammar al-Qaddafi

Muammar al-Qadhafi

Mu'ammar al-Qadhdhafi

Mu`ammar al-Qadhdhāfī 50

Mu'ammar Al Qathafi

Muammar Al Qathafi

Muammar Gadafi

Muammar Gaddafi

Muammar Ghadafi

Muammar Ghaddafi

Muammar Ghaddafy

Muammar Gheddafi

Muammar Kaddafi

Muammar Khaddafi

Mu'ammar Qadafi

Muammar Qaddafi

Muammar Qadhafi

Mu'ammar Qadhdhafi

Muammar Quathafi

Mulazim Awwal Mu'ammar Muhammad Abu Minyar al-Qadhafi

Qadafi, Mu'ammar

Qadhafi, Muammar

Qadhdhāfī, Mu`ammar

Qathafi, Mu'Ammar el 70

Quathafi, Muammar

Qudhafi, Moammar

Moamar AI Kadafi

Maummar Gaddafi

Moamar Gadhafi

Moamer Gaddafi

Moamer Kadhafi

Moamma Gaddafi

Moammar Gaddafi

Moammar Gadhafi

Moammar Ghadafi

Moammar Khadaffy

Moammar Khaddafi

Moammar el Gadhafi

Moammer Gaddafi

Mouammer al Gaddafi

Muamar Gaddafi

Muammar Al Ghaddafi

Muammar Al Qaddafi

Muammar Al Qaddafi

Muammar El Qaddafi

Muammar Gadaffi

Muammar Gadafy

Muammar Gaddhafi

Muammar Gadhafi

Muammar Ghadaffi

Muammar Qadthafi

Muammar al Gaddafi

Muammar el Gaddafy

Muammar el Gaddafi

Muammar el Qaddafi

Muammer Gadaffi

Muammer Gaddafi

Mummar Gaddafi

Omar Al Qathafi

Omar Mouammer Al Gaddafi

Omar Muammar Al Ghaddafi

Omar Muammar Al Qaddafi

Omar Muammar Al Qathafi

Omar Muammar Gaddafi

Omar Muammar Ghaddafi

Omar al Ghaddafi

Parte do problema é que não há uma autoridade aceita universalmente para transliterar nomes do árabe. Normalmente, os veículos jornalísticos usam qualquer forma que o sujeito prefira, mas este sujeito não decidiu por nenhuma forma particular para seu nome na ortografia romana.

Cinema americano fica mais branco - MANOHLA DARGIS E A.O. SCOTT

A brancura do Oscar em 2011 é um pouco ofuscante.
Nove anos atrás, Denzel Washington e Halle Berry levaram Oscar para casa -ele foi apenas o segundo afro-americano a receber o Oscar de melhor ator, e ela tornou-se a primeira afro-americana a ganhar como melhor atriz.
Transformações reais pareciam ter chegado ao cinema ou, pelo menos, à Academia, que, nos 73 anos anteriores, tinha dado estatuetas a sete atores negros (a primeira, em 1940, foi dada para Hattie McDaniel pelo papel de Mammy em "E O Vento Levou").
Durante boa parte da década passada, foi possível acreditar que alguns dos velhos demônios da desconfiança e da exclusão pudessem finalmente ter sido expulsos.
Um olhar voltado aos filmes americanos de 2010 revela menos do tipo de filmes que têm impelido atores, roteiristas e diretores negros para a disputa de prêmios. Os gêneros dos super-heróis, fantasia e ação foram destituídos de cor. Os dramas urbanos foram ambientados em bairros de americanos de origem irlandesa. Mesmo o gênero das duplas de amigos homens, que possibilitou muitas aproximações interraciais desde 1958, quando Sidney Poitier e Tony Curtis foram acorrentados juntos em "Acorrentados", virou em grande medida algo de brancos com brancos.
Terá Hollywood, um suposto reduto de progressividade tão ansioso, em 2008, para ajudar Barack Obama a chegar à Casa Branca, escorregado de volta para sua tímida praxe antiga? É possível que o status do presidente de homem afro-americano mais visível e poderoso do mundo tenha inaugurado uma nova era de confusão racial -ou, quem sabe, uma crise de representação?
O cinema americano ajudou a abrir o caminho para a Presidência de Obama, ao popularizar e normalizar imagens positivas de masculinidade negra, com atores como Poitier e Harry Belafonte fazendo papéis de detetives, juízes -até mesmo de Deus.
Mas, em parte porque o cinema continua a ser uma forma de arte feita de baixo para cima, que requer capital intensivo, ele tem sido cauteloso, tendendo a reforçar os preconceitos percebidos do público, mais que a subvertê-los. Em Hollywood, a questão racial, frequentemente, tem sido um problema social a ser tratado com seriedade (e depois deixado de lado) ou então um desafio de marketing. Nos anos 1960, os estúdios se parabenizavam por fazer dramas sóbrios, de pensamento correto, frequentemente estrelados por Sidney Poitier, em filmes como "No Calor da Noite" e "Adivinhe Quem Vem para o Jantar", ambos lançados em 1967 e que receberam juntos 17 indicações ao Oscar.
Alguns anos mais tarde, afro-americanos começaram a aparecer em grau inusitado na telona e por trás das câmeras. Rostos e vozes que até então eram vistos apenas em "filmes de raça" ou filmes de arte de gente como Shirley Clarke ("The Cool World") chegaram ao mainstream. O mundo independente assistiu ao surgimento de diretores off-Hollywood como Charles Burnett, Haile Gerima, Billy Woodberry e Julie Dash.
Mas a raça no cinema americano raramente tem sido questão de avanços feitos passo a passo. Com poucas exceções, os anos 1980 foram marcados tanto por um recuo racial quanto pela consolidação da mentalidade blockbuster. Fato mais animador foi que o final dessa década foi acompanhado pela chegada de uma nova geração de cineastas negros, o mais notável dos quais Spike Lee, que tentou derrotar o sistema e então ingressou nele.
Lee e os astros afro-americanos que ascenderam nos anos 1990 e na década seguinte, especialmente Will Smith, Morgan Freeman, Jamie Foxx e, é claro, Denzel Washington, em muitos casos tiveram que carregar o ônus de representar sua raça, ao mesmo tempo em que buscavam realizar suas ambições individuais.
Na maioria dos casos, esses astros chegaram ao topo das bilheterias em histórias que não tratavam de raça, enquanto os filmes que trataram da questão de modo mais direto, como "Ali" e "Dreamgirls", em muitos casos o fizeram desde uma distância histórica segura. Era quase como se, com a ascensão de astros de cinema negros individuais, Hollywood já não sentisse a necessidade de contar histórias sobre os negros como grupo.
Esse recuo explica parcialmente a emergência de um novo cinema negro separado, com seus astros (Morris Chestnut, Vivica A. Fox), autores (Ice Cube, Tyler Perry) e gêneros próprios. O prolífico Perry tornou-se um dos diretores e produtores mais bem sucedidos de qualquer cor.
Spike Lee tem sido um dos críticos de Perry. "Temos um presidente negro e estamos retrocedendo", disse Lee em 2009. "Essa imagem é preocupante."
Terá o ambiente cultural mudado e, com a crise econômica, feito com que outro tipo de história pareça ter urgência maior?
É difícil escapar da impressão de que a questão das classes sociais voltou à tona em 2010. "O Vencedor" relata a história de irmãos boxeadores da classe trabalhadora de uma antiga cidade fabril do Massachusetts. Ambientado na região de Ozarks, "Inverno da Alma" envolve o mundo violento e fechado de produtores de metanfetamina cujos avôs provavelmente vendiam bebida alcoólica de produção clandestina.
Será a classe social a nova questão racial, então? A complexidade racial da vida americana parece ter provocado um bloqueio na imaginação coletiva do mundo do cinema. Por enquanto, apenas um filme parece ser capaz de reconhecer o homem negro comum. Foi "Incontrolável", de Tony Scott, estrelado por Denzel Washington -quem mais?

ARNALDO JABOR - A alegria é um produto de mercado

Está chegando o carnaval. Antigamente o carnaval vinha aos poucos, com as cigarras e o imenso verão, com as marchinhas de rádio que aprendíamos a cantar. Hoje, o carnaval se anuncia como um prenúncio de calamidade pública, uma "selva de epiléticos", com massas se esmagando para provar nossa felicidade. A alegria natural do brasileiro foi transformada em produto.

Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de "funcionar", temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter "qualidade total", como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os "uppers", os "downers", senão nos encostam como mercadorias depreciadas.

O bode pós-moderno vem da insatisfação de estar aquém da felicidade prometida pela propaganda. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Ninguém quer ser "sujeito", com limites, angústias; homens e mulheres querem ser mercadorias sedutoras, como BMWs, Ninjas Kawasaki. E aí, toma choque, toma pílula, toma tarja preta. Só nos resta essa felicidade vagabunda fetichizada em êxtases volúveis, famas de 15 minutos, "fast fucks", "raves" sem rumo.

A infelicidade de hoje é dissimulada pela alegria obrigatória. "A depressão não é comercial", lamentou um costureiro gay à beira do suicídio, mas que tinha de sorrir sempre, para não perder a freguesia.

O mercado nos satisfaz com rapidez sinistra: a voracidade, a tesão, o amor. E pensamos: Eu posso escolher o filme ou música que quiser, mas, nessa aparente liberdade, "quem" me pergunta o que eu quero? A interatividade é uma falsificação da liberdade, pois ignora meu direito de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não quero saber nada, quero ficar deprimido em paz.

Acho que a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, a literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada.

Estava neste ponto do artigo, quando me chegou às mãos um artigo chamado Elogio da Melancolia, de Eric G. Wilson, da Universidade de Wake Forest. Veio a calhar. Com destreza acadêmica, ele aprofunda meus conceitos. Ele escreve:

"Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas da alegria, tudo cria um "admirável mundo novo" sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza."

Ele continua:

"Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade. Podemos crer que estamos levando ótimas vidas livres, quando nos comportamos artificialmente como robôs, caindo no conto dos desgastados comportamentos "felizes", nas convenções do contentamento. Enganados, perdemos o espantoso mistério do cosmo, sua treva luminosa, sua terrível beleza. O sonho americano de felicidade pode ser um pesadelo. O poeta John Keats morreu tuberculoso, em meio a brutais tragédias, mas nunca denunciou a vida. Transformou a desgraça em uma fonte vital de beleza. As coisas são belas, porque morrem - ele clamava. A rosa de porcelana não é tão bela como aquela que desmaia e fenece."

Li também num texto de Adauto Novaes uma citação de Paul Valéry: "O que seria de nós sem o socorro do que não existe? Se uma sociedade elimina tudo que é vago ou irracional para entregar-se ao mensurável e ao verificável, ela poderia sobreviver? (...) tudo o que sabemos e tudo que podemos hoje acabou por opor-se ao que somos. A ordem exige a ação de presença de coisas ausentes".

Ou seja - digo eu -, o que seria de nós sem as coisas vagas com que podemos sonhar?

A resposta a isso eu encontrei num texto de Vargas Llosa publicado no El País: "Palavras como "espírito, ideais, prazer, amor, solidariedade, arte, criação, alma, transcendência" significam ainda alguma coisa? (...) Antes, a razão de ser da cultura era dar resposta a esse tipo de perguntas, porém o que hoje entendemos por cultura está esvaziada por completo de semelhante responsabilidade. Hoje o que chamamos de cultura é um mecanismo que nos permite ignorar assuntos problemáticos; é uma forma de diversão ligeira para o grande público esquecer-se do que é sério, como uma fileira de cocaína ou férias de irrealidade."

Aliás, este é o grande sonho do mercado: a satisfação completa do freguês. No entanto, a melancolia, a consciência do tempo finito é o lugar de onde se contempla a beleza. Há uma conexão entre tristeza, beleza e morte. Só o melancólico cria a arte e pode celebrar a experiência do transitório resplendor da vida. A melancolia, longe de ser uma doença, é quase um convite milagroso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. Sem a melancolia, a terra congelaria num estado fixo. Mas se permitimos que a melancolia floresça no coração, o universo, antes inanimado, ganha vida, subitamente. Regras finitas dissolvem-se diante de infinitas possibilidades. Mas, por que não aceitamos isso? Por que continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena?

Por medo. Escondemo-nos atrás de sorrisos tensos porque temos medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Usamos uma máscara falsa, um disfarce para nos proteger deste abismo da existência. Mas, este abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é um chamado à vida. A fragmentação é liberdade. É isso aí, bichos - como se dizia em tempos analógicos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Gen X, Y ou Z? Qual é a sua?

Por Márion Strecker em 15/2/2011

Reproduzido da Folha de S.Paulo, 10/2/2011; intertítulos do OI

Ao escrever sobre a Gen Z, no mês passado, fui questionada sobre a razão desse nome. Geração Z, de zapear, pregaram alguns. Geração Z porque Z vem depois de Y, disseram outros. Cem anos atrás, as gerações eram descritas apenas por nomes, não por letras. Como está narrado no livro Paris É Uma Festa, de Ernest Hemingway (1899-1961), o termo Geração Perdida foi tomado por Gertrude Stein (1874-1946) de um mecânico que ralhava com um funcionário e usado em seguida para caracterizar seu círculo de amigos mais novos, em particular escritores e artistas que viviam na Europa depois de servir na Primeira Guerra.

Era o caso de Hemingway, que achou no final que "todas as gerações eram perdidas, por alguma razão". Depois da Geração Perdida, vimos surgir o termo Greatest Generation, cunhado pelo jornalista Tom Brokaw para se referir às pessoas que nasceram sob as privações da Grande Depressão e contribuíram materialmente ou lutando na Segunda Guerra. Virou livro. E depois veio a Geração Silenciosa, jovem demais para ter lutado na Segunda Guerra, mas que também viveu seu impacto profundamente. Acho que minha mãe é dessa geração. Com o fim da Segunda Guerra veio a Geração Baby Boom, assim batizada devido ao crescimento das taxas de natalidade. E depois dos boomers veio a Geração X.

Música digital e download grátis

O termo Geração X foi cunhado pelo fotógrafo Robert Capa no começo dos anos 50 e depois serviu como título de um ensaio fotográfico seu com jovens. Disseram que se referia aos jovens ainda sem identidade, talvez sem futuro, ou com um futuro incerto, por isso o X. Geração X também se tornou o nome de um livro de sociologia, de Jane Deverson e Charles Hamblett, publicado em 1965. Falava dos jovens que dormiam juntos antes de casar, que não aprenderam muito bem quem era Deus e/ou que não obedeciam mais a seus pais.

Consta que um exemplar do livro foi parar na casa da mãe do músico inglês Billy Idol, que batizou sua banda punk de Geração X, de 1976 a 1981. Digamos que a Geração X nasceu entre 1950 e 1970 e viveu o surgimento do computador pessoal, da TV a cabo, do videogame e da web.

Depois da X, claro, tinha de vir a Geração Y, nascida a partir de 1980 (os anos são sempre definidos arbitrariamente). Muito mais familiarizadas com a comunicação, as mídias e as tecnologias digitais, as crianças da Gen Y ensinaram seus pais a usar os controles remotos enormes ou a gravar filmes da TV. A Gen Y adotou e-mail, mensagem de texto via celular e MSN como formas de comunicação, enquanto lia O Senhor dos Anéis, crescia com Harry Potter ou via a trilogia de Star Wars em tela gigante. Música digital, iPod e download grátis se tornaram triviais. Acho que é bem a geração do meu filho, de 20 anos.

Depois do Z, o que vem?

Mas o tempo não para, assim como a fabricação de rótulos, e chegou a Gen Z, dos chamados nativos digitais. Esses não só demonstram uma incrível facilidade de lidar com qualquer tipo de equipamento novo como gostam de consumir "tudo ao mesmo tempo agora". Usam instintivamente todos os recursos das redes sociais, como Facebook ou Twitter e, se tiverem dinheiro, serão viciados também em smartphones (como o iPhone) e tablets (como o iPad). Dizem que a Gen Z é mais consumista que a Gen Y, além de ser mais conectada. Parece o caso da minha filha de 12 anos, que adora passar a tarde no shopping do bairro com as amigas e os amigos. Sua turma fala no Skype e troca SMS ao fazer a lição de casa com a TV ligada.

É claro que classificar as pessoas em gerações sempre causa controvérsias. Até porque a data de nascimento de alguém não precisa corresponder à mentalidade, aos valores, ao comportamento, à maneira de ser ou mesmo à aparência.

Tenho idade para ser da Geração X, mas meu marido insiste que sou da Geração Z. Acho que ele tem ciúme da minha família Apple (Macbook, iPad e iPhone), que carrego para cima e para baixo, inclusive nas férias. Mas há um problema maior. Depois do Z, o que vem?

Da boca pra fora - IVAN MARSIGLIA

Mu-mu-mulher, em mim fi-fizeste um estrago/ Eu de nervoso estou-tou fi-ficando gago/ Não po-posso com a cru-crueldade da saudade/ Que que mal-maldade, vi-vivo sem afago/ Tem tem pe-pena deste mo-moribundo/ Que que já virou va-va-va-va-ga-gabundo/ Só só só só por ter so-so-sofri-frido/ Tu tu tu tu tu tu tu tu/ Tu tens um co-coração fi-fi-fingido.

O samba Gago Apaixonado, composto por Noel Rosa em 1930, fala de alguém que gagueja por amor, mas no futuro talvez venha a ser objeto de polêmica semelhante à que envolveu o livro Caçadas de Pedrinho (1933), de Monteiro Lobato, acusado de trazer referências preconceituosas. Não é de hoje que a gagueira humana inspira um misto de chacota e piedade. Em 1866, a ópera The Bartered Bride, do checo Bedrich Smetana, colocou no meio da cantoria um tartamudo que divertiu plateias inclusive no Brasil. E Gaguinho, personagem do desenho animado Looney Tunes, dos estúdios Warner Bros, faz rir gerações de crianças com o bordão: “É isso aí, pe-pessoal!”

O filme O Discurso do Rei, do britânico Tom Hooper, que acaba de estrear no País, vem - com o perdão do trocadilho - mudar esse discurso. Com 12 indicações para o Oscar, incluindo a de melhor filme e diretor, conta a história verídica do rei George VI. Inseguro e com problemas de fala, foi obrigado a assumir a coroa quando seu irmão mais velho abdicou do trono para se casar com uma plebeia. Com a Inglaterra à beira da 2ª Guerra Mundial, o novo monarca, vivido por Colin Firth, recorre a um nada ortodoxo terapeuta australiano, Lionel Logue (encarnado por Geoffrey Rush), para encontrar a oratória de que necessita para motivar seus súditos em um momento tão dramático.
“O Discurso do Rei está para a gagueira assim como Rain Man esteve para o autismo”, diz a fonoaudióloga paulista Ignês Maia Ribeiro, presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), fazendo referência ao sucesso de bilheteria de 1988 estrelado por Dustin Hoffman e Tom Cruise. O IBF se dedica à pesquisa e ao tratamento do distúrbio e recebeu, em dezembro último, o selo de acreditação da Organização dos Estados Americanos (OEA), concedido a entidades da sociedade civil com serviços de relevância prestados à comunidade internacional. Ignês, que sempre detestou reality shows, tem comemorado também, alto e bom som, a atual edição do Big Brother Brasil. Tudo por causa de Diogo, o coreógrafo baiano gago, que reage com altivez às brincadeiras e provocações dos colegas de confinamento. No dia 14 de janeiro, o brother chegou a citar no ar o slogan da primeira campanha nacional organizada sobre o tema no País, ainda em 1995, que clamava: “Gagueira não tem graça, tem tratamento”. Pena para a causa que Diogo seja tão chato.


Excesso de dopamina
Calcula-se que existam no mundo cerca de 60 milhões de gagos. No Brasil o problema incide sobre 4% a 5% da população. Um dos mitos que mais reverbera sobre a gagueira é o de que ela tem origem emocional e está relacionada à ansiedade ou ao nervosismo - o que talvez explique a desenvoltura com que se brinca com o tema. Na verdade, gagueira é um distúrbio de base neurofisiológica, com forte componente genético e hereditário. Estudos demonstraram que a falha que ocorre entre o que a pessoa pensa e a resposta de suas estruturas cerebrais responsáveis pela área motora da linguagem pode estar associada a uma produção excessiva de dopamina - o contrário do que ocorre com o portador de mal de Parkinson, cujo cérebro produz pouco desse neurotransmissor. “A gente já entende o mecanismo, já sabe onde está essa falha, mas não por que ela acontece”, explica a especialista gaúcha Anelise Junqueira Bohnen.
Mestre em Fonoaudiologia pelo Ithaca College, nos EUA, com passagem pela prestigiada Stuttering Foundation, Anelise afirma que a crença de que se gagueja por razões psicológicas atrasa o diagnóstico e prejudica o tratamento. Em geral, os primeiros sinais aparecem aos 2 ou 3 anos, quando a criança começa a falar. Nesse momento, é comum ela apresentar algum tipo de dificuldade. Mas, se os problemas de fluência na fala durarem mais de oito semanas, convém os pais buscarem uma avaliação médica. “Depois dos 12 anos, quando acaba a fase de crescimento cerebral, as possibilidades de remissão total da gagueira são menores e ela pode se tornar crônica”, alerta a autora de Sobre a Gagueira (Unisinos, 2005).

‘Espera que passa’
A paranaense Sandra Merlo, de 31 anos, é uma exceção gritante. Nascida na interiorana Pato Branco, município de 75 mil habitantes no sudoeste do Estado, filha de pai caminhoneiro e mãe professora, começou a gaguejar aos 3 anos, mas só encontrou tratamento adequado, e por conta própria, aos 18. A memória mais antiga que tem do problema é da pré-escola, aos 6 anos. “Eu me lembro de querer perguntar alguma coisa à professora e desistir por medo de falar”, conta. Em casa, a gagueira da menina era atribuída ao ciúme provocado pelo nascimento do irmão mais novo. E a palavra final do médico da família foi “espera que passa”. Evidentemente, não passou.
Foi só aos 10 anos que ela soube, por um professor, da existência de profissionais especializados no assunto. Aos 14, Sandra decidiu ir a um posto de atendimento do SUS e preencheu sozinha a ficha solicitando tratamento. Chamado pela enfermeira, o pai foi até o local e finalmente autorizou. A médica encarregada, no entanto, era da área de audição e pouco pôde fazer para ajudá-la.
Na adolescência o problema se agravou e Sandra viveu aos 14 o pior ano para sua fala. Mas, ao contrário do que acontece com boa parte dos que sofrem com o distúrbio, porém, tinha menos dificuldade em se expressar quando estava apaixonada. “Fico mais fluente se estou motivada”, ri.

Eis outra característica da gagueira que reforça o coro dos que acreditam que tudo é questão de temperamento ou personalidade: a frequência e a intensidade de suas manifestações variam de acordo com a situação. Em geral, ela afeta mais a fala espontânea do que a ensaiada. É menos perceptível quando a pessoa está cantarolando. E fica mais aguda se a situação é tensa, há alguma situação de inferioridade em relação ao interlocutor ou uma grande plateia presente - aí, sim, como registra o filme de Tom Hooper, concorrem fatores emocionais.
A pessoa com gagueira aprende a disfarçar seu problema, seja trocando palavras mais difíceis por mais simples ou conversando o mínimo possível. “Muita gente me achava tímida na escola, mas eu não era tímida da maneira que eles acreditavam”, conta Sandra Merlo que, aos 15, decidiu o que seria na vida: fonoaudióloga. Aos 18 passou em três vestibulares: da Universidade de São Paulo, da Unesp e de uma instituição pública de Porto Alegre cujo nome prefere não dizer. “Fui recusada no teste de aptidão. A coordenadora do curso disse que o fonoaudiólogo deveria ser um exemplo de comunicação”, lamenta.

Discurso em Tóquio
Sandra optou pela USP e veio sozinha para São Paulo. Hospedou-se em um pensionato para moças no bairro do Rio Pequeno até conseguir vaga no Crusp, a moradia de estudantes da Cidade Universitária. Aplicou-se simultaneamente aos estudos e ao tratamento de sua gagueira com uma profissional indicada pelos colegas. Seu caso foi considerado grave pela doutora. Aos poucos, com os exercícios, juntou na mesma narrativa as duas pontas dessa história. Tornou-se uma especialista no próprio problema. Atende em um consultório no bairro da Vila Olímpia, onde a maior parte dos pacientes é gaga, e conclui um doutorado sobre o tema na Unicamp.
“Acho que minha convivência com a gagueira foi sendo organizada e ganhou sentido com o conhecimento que adquiri na faculdade”, acredita ela, que ainda gagueja, de maneira sutil, mas perceptível. O que não a impede de participar de congressos internacionais da área, o último deles no Japão, em setembro, onde apresentou seu paper em inglês fluente.
Sandra terminou recentemente um namoro de oito anos e está solteira. Em uma cena de O Discurso do Rei, a mulher de George VI, interpretada por Helena Bonham Carter, declara a ele sempre ter achado o seu tartamudear “um charme”. Mas este não é exatamente o tipo de elogio de que a fonoaudióloga paranaense gosta. “Ouço isso sempre, mas soa um tanto estranho para mim”, avisa.
De toda maneira, assim como o protagonista do filme que disputa o Oscar neste ano, Sandra Merlo parece perfeitamente reconciliada com a sua fala. Como se ela repetisse a resposta dada pelo rei a seu terapeuta vocal,Lionel Logue, quando este faz um bem-humorado reparo a uma hesitação no antológico discurso de guerra que George VI acabara de proferir: “Eu tinha que gaguejar um pouco para eles saberem que era eu”.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Creative Commons, um bem coletivo

Por IHU Online em 15/2/2011
Reproduzido do IHU Online, 8/2/2011

A licença Creative Commons está em consonância com a lógica de interação da internet, pois permite que "o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita e regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento", defende Sérgio Amadeu, em entrevista concedida à IHU Online por telefone. Diferentemente da lei de direitos autorais, o Creative Commons "pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor" e garante que as "obras sejam divulgadas, distribuídas, recombinadas, e deem origem a novas criações", explica.

Na entrevista a seguir, o defensor e divulgador do Software Livre e da inclusão digital no Brasil critica a postura da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que retirou o Creative Commons do sítio do ministério. Segundo o pesquisador, a iniciativa está na contramão da trajetória histórica do Ministério das Relações Exteriores em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. "Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura", ironiza.

Amadeu ressalta que a resistência a licenças Creative Commons está diretamente relacionada à indústria da intermediação, que, antes do fenômeno da internet, detinha os direitos autorais de diversas produções. E dispara: "Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, a qual está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil."

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Amadeu participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre (CISL). Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) da Casa Civil da Presidência da República e atualmente é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC). É autor de, entre outros, Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento; Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: Redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.

Confira a entrevista.

***

"Percebo uma contradição no governo"

Como o senhor avalia, a partir dos primeiros movimentos deste governo, a política de compartilhamento do governo Dilma?

Sergio Amadeu – O governo Dilma tomou uma atitude bastante interessante a partir do Ministério do Planejamento, publicando uma diretiva do software público que garante o uso das licenças do software livre, priorizando-o dentro do governo. No mesmo dia, a ministra Ana de Hollanda manda tirar a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura, demonstrando-se contra a política de compartilhamento do governo Lula, continuada pela presidente Dilma. A ministra Ana de Hollanda não percebe que o próprio blog da Presidência da República, lançado pelo ex-presidente Lula, continua com esta licença e tudo indica que seu uso vai se ampliar dentro do governo.

Por quais razões o senhor imagina que ela retirou a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura?

S.A. – Ana de Hollanda quer promover um retrocesso no que se refere ao compartilhamento, às redes digitais, à ideia de colaboração. Ela é ligada ao grupo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que quer manter a lei de copyright do jeito que está, ou seja, não quer rever os abusos e os absurdos da lei. Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura. Ela quer realizar essa inversão de política no caso da cultura. Se vai conseguir, não sei, mas ela representa um retrocesso dentro de um quadro mais geral em que o governo avança e outras áreas, defendendo o compartilhamento. Certamente o Ministério da Justiça vai mandar proposta de marco civil pela internet, que garantirá a não criminalização dos jovens, pelo menos na regulamentação da internet, que participam de redes P2P (peer-to-peer). Entretanto, na contramão está o Ministério da Cultura. Então, percebo uma contradição no governo.

"O maior fato é simbólico"

Como o senhor acha que a iniciativa da ministra irá repercutir no governo? Pode alterar as medidas já adotadas no que se refere à licença Creative Commons?

S.A. – O governo vai ter de decidir quem tem razão: se é a ministra Ana de Hollanda ou aqueles que defendem, dentro do governo, a política implantada pelo ex-presidente Lula. Em algum momento isso vai ter de ser resolvido, não sei quando, mas certamente haverá de se ter um acerto na política do governo. O Ministério das Relações Exteriores tem uma trajetória histórica em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. Quer dizer, esta luta não é uma iniciativa dos ativistas. O Ministério das Relações Exteriores tem defendido, no caso das patentes, a subordinação do interesse social e a defesa da vida. No caso da polêmica dos fármacos, dos remédios da Aids, ou no caso da propriedade intelectual, por exemplo, nós, ativistas, não concordamos, resistimos muito no final da rodada do Uruguai a tratar temas relativos à propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, o Brasil tem uma política de defender a criatividade e nós sabemos que para que se possa continuar com a inventividade, a criatividade, temos que ampliar a flexibilização desses bloqueios ao livre fluxo de conhecimento e de bens culturais, porque a base do conhecimento e a base da cultura é o próprio conhecimento e a cultura.

Neste caso a presidente não poderia ter feito uma intervenção, ter conversado com a ministra, como fez, por exemplo, com o Chefe da Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, em outro momento?

S.A. – Ela terá de fazer isso em algum momento, ou então ela vai, vamos dizer assim, mudar a própria política do ex-presidente Lula. Entretanto, os sinais dados são de continuidade dessa política de compartilhamento, de defesa das possibilidades de criação, da liberdade dos fluxos informacionais. Como o Ministério da Cultura foi o último a ter a sua direção indicada e como a presidente Dilma teve de enfrentar uma série de dificuldades para a composição das comissões no Congresso Nacional, acredito que não teve condições de se debruçar sobre esse tema. Teremos de aguardar para ver se a ministra irá parar só nesse ato simbólico ou se vai, de fato, continuar defendendo os interesses do Ecad.

O que o fato de o Ministério da Cultura ter tirado o selo de licença Creative Commons do seu sítio significa?

S.A. – Essa atitude cria uma insegurança jurídica, uma dificuldade para poder continuar compartilhando, mas o maior fato é simbólico. Ana de Hollanda deu um sinal para todo mundo, dizendo: "Aqui não me vem com isso, eu mudei a política." A consequência é principalmente política.

"É necessário fazer acertos na lei dos direitos autorais"

O que Ana de Hollanda representa para o Ministério da Cultura do Brasil?

S.A. – Não sei. Não a conhecia. Tanto é que, quando fizeram um texto a respeito dos riscos que representaria a nomeação dela, comentei que não a conhecia e iria esperar para avaliar. Fiquei preocupado com essa ação de retirar o selo; é um sinal que ela mandou de retrocesso. Agora, se ela vai representar isso ou não, os fatos vão dizer. A questão é saber até onde ela vai com essa postura dela. De qualquer modo, ela representa um retrocesso e nada de novo na política cultural brasileira. Nada de novo, essa é a questão.

Como você avalia a lei dos direitos autorais no Brasil?

S.A. – A lei do direito autoral é arcaica, extremamente dura no sentido de ser uma das mais ruins do planeta. Ela criminaliza fotocópia (xerox), por exemplo; ela mudou a lei que tinha antes, retirando o direito da cópia privada, claramente substituindo por uma ideia absurda de pequenos trechos, que nunca se sabe o que é. Existem vários pequenos acertos a serem feitos, os quais permitem que ela se torne mais moderna, compatível com o mundo atual, e que reconheça o direito à pessoa, ao uso justo, ao uso privado de uma cópia para fins pessoais.

Outro aspecto importante a ser mudado – mas que penso que não conseguiremos alterar – é o prazo de duração de uma obra sorteada pelo copyright. O argumento da lei do direito de autor é de que a garantia de proteção serve para incentivar o criador. Entretanto, repare que a lei tem sido alterada, sendo estendido o prazo de proteção de uma obra que era de 14 anos, para 28, chegando ao ponto de uma obra só poder cair em domínio público depois de 95 anos após a morte do autor. No caso do Brasil, 70 anos após a morte do autor. Repare que a lei vem sendo alterada e o fundamento dela desapareceu, porque se o fundamento é incentivar a criação e o criador, não tem sentido proteger depois de sua morte. Como diria Machado de Assis, não há nenhum sentido, a não ser a proteção dos interesses dos intermediários que detém a obra por contrato. A pessoa que fez um contrato passa a ser o dono da obra.

Essas alterações na lei servem muito mais para garantir a indústria da intermediação, do que para assegurar o direito do criador. Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, que está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.

"A diversidade cultural tem tomado a audiência"

Então a lei não é adequada para a internet?

S.A. – Na verdade, a internet se expandiu e criou ao seu redor, e dentro dela, uma cultura digital, uma cibercultura. Uma das características importantes da cibercultura é a possibilidade de recombinação e de reconfiguração dos objetos digitais. Exatamente por causa da internet, as legislações de direito autoral do mundo todo, estão tentando bloquear as possibilidades criativas que a internet abriu. O que a internet fez foi desmistificar a criação. Ela separou efetivamente o conteúdo do seu suporte: um vídeo, uma película, a imagem e o texto do papel, tudo isso está liberado na rede.

Esse processo intenso de digitalização está preocupando a indústria da intermediação, que vivia do controle das criações a partir das dificuldades de compartilhar suporte. Agora, as criações estão digitalizadas, podem ser mixadas, recombinadas e distribuídas com muita facilidade. O mundo da escassez, que justificaria os altos preços de determinadas produções, não tem sentido na rede. Ela mudou muito as possibilidades criativas para melhor, só que como que a indústria da intermediação reage, ela faz uma conta completamente absurda e equivocada, ela diz assim: "Se as pessoas estão ouvindo mais música, muito mais música do que antes, como os nossos lucros não aumentaram com essa intensificação?" Então, eles pensam que estão perdendo bilhões. Entretanto, repare que a maioria dos jovens só baixou aquela música porque ela estava disponível gratuitamente. Segundo, os internautas nunca ouvem a maior parte das músicas que baixam; eles ouvem um trecho e nunca mais voltam a essa música. Se as pessoas tivessem que pagar pelas músicas, elas não as baixariam.

O mundo digital está acenando para a possibilidade de acessarmos uma diversidade inimaginável de conteúdos. Existe uma oferta de músicas e de bandas à disposição das pessoas, algo que não existia há alguns anos. Isto faz com que aquela grande indústria fonográfica tenha efetivamente a concorrência de milhares de músicas que estão na rede. Essa concorrência, portanto, essa diversidade cultural tem tomado a audiência de cantores e bandas lançados por gravadoras. Essa é a realidade.

"Consolidar o modelo de compartilhamento"

Podemos dizer que a licença Creative Commons, da forma como está se desenvolvendo e sendo utilizada, gera uma cultura da economia do conhecimento?

S.A. – Não. Penso que gera uma cultura do compartilhamento, uma cultura que pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor, mas que garanta que determinada obra possa ser divulgada, distribuída, recombinada, e de origem a novas criações. É o reconhecimento de que a base da cultura é a própria cultura, que é um bem coletivo: isso é licença Creative Commons. Ela permite que o autor tenha uma licença juridicamente consistente sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita e regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento. É muito importante a licença Criative Commons. Algumas pessoas argumentam que a ministra Ana de Hollanda retirou o símbolo da Creative Commons porque ele pertence a uma organização norte-americana e nós devemos defender o nacionalismo. Fizeram uma confusão propositada e equivocada do nacionalismo com uma licença de compartilhamento. Se você entrar agora no sítio da rede Al Jazira, que de norte-americana não tem nada, verá que eles disponibilizam seus conteúdos com Creative Commons. Isso, para mim, basta. O argumento anterior é usado pelo Ecad.

Qual é o impacto econômico que teremos com a flexibilização dos direitos autorais?

S.A. – O impacto econômico é, primeiro, fortalecer novas criações, ou seja, redistribuir mais os recursos da riqueza da cultura, garantir o surgimento de modelos de negócios compatíveis às redes digitais. Teremos muito a ganhar consolidando o modelo de compartilhamento.

"Mais recursos nos pontos de cultura, mais editais de projetos"

Na realidade atual brasileira, qual a função do Ecad?

S.A. – O Ecad é uma entidade opaca, sem transparência, baseada no modelo industrial, no controle dos canais de acesso aos bens culturais. O mercado não quer saber da licença Creative Commons; ele quer cobrar tudo porque ele já é uma estrutura que tem vida própria, que não tem nada a ver com a criação. Ele montou sua burocracia e a burocracia quer sobreviver; ela sobrevive na intransparência. Essa é a realidade. O Ecad vai a festinhas de aniversário cobrar as músicas que são tocadas. É ridícula a situação. Precisamos de uma estrutura de distribuição da renda, da disseminação ou da veiculação de bens culturais que seja adequada, transparente. Deveríamos ter outra estrutura, efetivamente transparente na distribuição dos frutos da criação, nos frutos econômicos da criação.

O Brasil "invadiu" o Orkut e é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina, além de ser um dos principais atuantes no Twitter. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?

S.A. – O Brasil é um país que tem uma cultura tradicional, popular, muito afeita ao relacionamento. Por isso, a presença brasileira nas redes sociais é muito grande. O brasileiro também tem uma cultura muito criativa, que durante muito tempo foi entendida como negativa – chamada, inclusive, de cultura da gambiarra. Mas, se for analisar, toda a criação importante no mundo digital é uma grande gambiarra, é uma recombinação, é uma solução para enfrentar um problema com os códigos que estão à disposição. A cultura popular brasileira é muito próxima do que vem a ser ou do que são os traços mais importantes da cibercultura. O Brasil um país que mal começou a usufruir das redes. O que falta ainda para o Brasil é dar um salto no sentido de aplicações massivas, aplicações que partam daqui e sejam implantadas pelos outros países. A dificuldade brasileira é a língua inglesa, que domina a rede.

Acredito que, na presença da nossa cultura, a digitalização das nossas práticas culturais, dos movimentos culturais, vai encantar cada vez mais o planeta e vai ampliar a diversidade cultural que temos no país. O Brasil tem um campo muito aberto no mundo digital e, insisto, ele mal começou.

Na sua avaliação, quais devem ser as prioridades do Ministério da Cultura?

S.A. – Continuar a política administrada pelo ex-ministro Gilberto Gil, aplicar mais recursos e projetos digitais. Criar incentivos não só ao cinema, mas à digitalização, à indústria de games. Deveria se ampliar muito fortemente o uso de softwares culturais livres por parte dos movimentos, dos pontos de cultura. Outra prioridade seria colocar mais recursos nos pontos de cultura, abrir mais editais de projetos com incentivo à produção do que existe no país. É preciso entender como nós podemos usar mais tecnologias abertas, colocar mais tecnologias livres à disposição dos produtores e criadores culturais do país.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A gagueira na real

"O Discurso do Rei" joga luz sobre o distúrbio de fluência , que atinge 2 milhões de brasileiros; ao contrário do que se vê na ficção , problema tem bases genéticas e neurológicas, apontam últimas descobertas


Divulgação

No filme ‘O Discurso do Rei’, George 6º (Colin Firth) grava a própria voz durante consulta com terapeuta para gagueira

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

George 6º, rei da Inglaterra entre 1936 e 1952, enfrentou sucessão complicada, avanço do nazismo e decadência do Império Britânico. Mas o fio condutor de "O Discurso do Rei", que estreou ontem, é sua luta contra a gagueira.
Como toda ficção baseada em fatos reais, o filme já é alvo de críticas em relação à sua veracidade histórica. A questão pessoal que rege a narrativa, a gagueira, também levanta poeira.

PSICOLOGIA X BIOLOGIA O ruído na comunicação é a ênfase que o roteiro dá aos aspectos psicológicos relacionados ao distúrbio.
A maioria das pessoas, segundo especialistas, acredita que traumas de infância são o que faz uma pessoa gaguejar, o que não é verdade. "Hoje, sabemos que a causa está em genes que interferem na formação e no funcionamento de áreas cerebrais que gerenciam a emissão da fala", diz o neurologista Marco Antônio Arruda, da Academia Brasileira de Neurologia.
Os primeiros genes responsáveis pela gagueira foram descobertos há um ano.
"A ciência conhece bem síndromes complicadas que atingem menos de 0,02% da população, mas estuda pouco a gagueira", lamenta a fonoaudióloga Anelise Junqueira Bohnen, do IBF (Instituto Brasileiro de Fluência).
É por isso que ela, como outros militantes da causa, comemora o sucesso de "O Discurso do Rei", com 12 indicações ao Oscar. "Gagueira não é assunto. O "Rei" coloca o tema na conversa do dia."
Segundo Ignês Maia Ribeiro, presidente do IBF, o filme mostra como a gagueira era entendida e tratada na época. "O trabalho de Logue [o terapeuta do rei], autodidata e heterodoxo, foi pioneiro. Ele ia além dos trabalhos com oratória de seu tempo. Já usava algumas técnicas de relaxamento e suavização da fala que usamos hoje."

NOVAS POSSIBILIDADES As descobertas sobre bases genéticas da gagueira e funcionamento cerebral podem trazer novas formas de tratar o problema que, no Brasil, é crônico para cerca de 2 milhões de pessoas, segundo estimativa de Ribeiro.
O neurologista Marco Antônio Arruda conta que estudos controlados com um antagonista da dopamina (medicamento que anula a ação do neurotransmissor) estão mostrando bons resultados.
Os remédios ainda não chegaram, mas novas tecnologias já foram incorporadas aos tratamentos.
Uma das ferramentas é o "Speech Easy", aparelho que faz a pessoa ouvir a própria voz com um pequeno atraso. É o "efeito coro". Em situações como recitar em coro ou cantar, é comum a pessoa não gaguejar, porque aciona circuitos cerebrais diferentes dos usados na fala comum.
Outros recursos são aplicativos para iPad e iPhone.
Barbara Fernandes, fonoaudióloga brasileira que mora nos EUA, criou o "Fluency Tracker", programa que mapeia as situações relacionadas à gagueira para que o paciente identifique em que momento precisa usar as técnicas aprendidas em consultório, além de acompanhar o seu progresso no dia a dia.
A versão em inglês do aplicativo já está à venda na App Store por US$ 9,99 (cerca de R$ 16,65). "Vamos lançar agora a versão em espanhol e, daqui a dois meses, em português", diz Fernandes.


Frases

"A ciência conhece bem síndromes complicadas que atingem menos de 0,02% da população, mas estuda muito pouco a gagueira"
ANELISE BOHNEN
fonoaudióloga

"A causa está em genes que interferem em áreas cerebrais ligadas à fala"
MARCO ANTÔNIO ARRUDA
neurologista

DNA individual tem mais dados que todos os HDs

A morte do vinil e o surgimento dos HDs pessoais multiplicaram a quantidade de informação gravada no mundo, mas tudo que já foi produzido pela humanidade ainda apanha feio de uma única célula humana.

Bem feio: há cerca de cem vezes mais informação codificada no DNA humano do que em todos os livros, CDs, computadores, negativos de fotos e todo tipo de lugar onde se armazenam dados, digitais ou analógicos.

Isso não significa que não exista muita coisa arquivada por aí. Em números absolutos, podíamos armazenar, em 2007, ano analisado agora pelos cientistas, 295 exabytes. Isso equivale a cerca de 295 bilhões de gigabytes (um HD doméstico tem uns 300 gigabytes).

É o suficiente para encher 404 bilhões de CDs comuns que, empilhados, cobririam um pouco mais do que a distância da Terra à Lua.

Os números são de uma pesquisa americana, publicada na revista "Science", que analisou os dados produzidos e armazenados pela humanidade entre 1986 e 2007. Ela mostra que os meios analógicos dominaram a lista até 2002, quando foram superados pelos digitais. Em 2007, essa já era a forma de armazenamento de 97% da informação.

Os dados guardados em papel, que, em 1986 já representavam apenas 0,33% do total, em 2007 passaram a representar 0,007% --qualquer vídeo de dez minutos no YouTube tem mais informação ("é mais pesado", como se diz na internet) do que uma enciclopédia inteira.

"É o primeiro trabalho a quantificar como os seres humanos lidam com a informação", diz Martin Hilbert, da Universidade da Carolina do Sul, que liderou o estudo.

A "mão boba" dá lugar à utopia

O que parecia impossível há apenas 20 dias aconteceu na sexta-feira: a rua egípcia derrubou uma ditadura de 30 anos. Realizado o impossível, vem o mais difícil, que é organizar a transição para a democracia, em um país e em uma região que têm escassa tradição democrática, se é que tem alguma.

Para começar, há um antecedente, cravado na memória coletiva do país, que dá razão à desconfiança quanto ao fato de que a saída de Mubarak por si só abra o caminho para a democracia.

Em fevereiro de 1954, um militar como Mubarak, Gamal Abdel Nasser, também viu seu governo cercado por milhares de manifestantes em seu palácio, exigindo o retorno a um governo civil, a libertação de todos os prisioneiros políticos e a restauração do Parlamento - agenda muito parecida com a de 2011.

Nasser prometeu reformas, anunciou eleições livres para junho daquele ano, e os manifestantes foram para casa. "A ação [de retirada] custou ao Egito 57 anos sem liberdades básicas", contabiliza Omar Ashour, diretor do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da universidade de Exeter (Reino Unido).

Esse episódio mais a visceral desconfiança do Ocidente em relação à possibilidade de que países árabes e/ou muçulmanos possam de fato se democratizarem explica a análise feita para a "Foreign Affairs" por Joshua Stacher, professor assistente de Ciência Política da Kent University e que prepara livro comparando o autoritarismo no Egito e na Síria:

"Aqueles que cercam o combatido presidente e que constituem o regime egípcio, de forma mais abrangente, asseguraram-se de que a viabilidade do Estado nunca fosse posta em questão. A instituição central do país, os militares, que historicamente influenciaram a política e têm o comando quase monopólico sobre interesses econômicos, nunca relutaram".

Não relutaram nem mesmo ante o afastamento de seu chefe, como se tratasse de entregar o anel (ou os anéis, contabilizando o vice-presidente Omar Suleiman) para preservar os dedos, evitando que o sistema simplesmente caísse na rua.

Feitas essas observações digamos pessimistas, não parece haver espaço para que a ditadura se mantenha, agora sem o ditador. Mais - e melhor: minha impressão à distância é que o que aconteceu no Egito não tem paralelo com as revoluções ocorridas no século passado ou com outros processos de democratização como os da América Latina.

Um detalhe, micro, mas micro mesmo, chama a atenção: há relatos de mulheres que contam que desde o 25 de janeiro podem circular tranquilamente pelas aglomerações sem o risco de uma "mão boba", tão característica nas localidades turísticas do Egito como as pirâmides.

Pode ser ingenuidade minha, mas uma tal mudança de mentalidade dá um ar de utopia à rebelião egípcia, capturada de resto por um de seus principais escritores, Alaa El-Aswany. Em entrevista para o "Independent" britânico, diz que "um homem verdadeiramente apaixonado se torna uma pessoa melhor", e acrescenta: "Uma revolução é algo parecido: todos os que dela participam sabem que tipo de pessoas eram antes de que começassem as manifestações e agora se sentem diferentes".

Uma segunda versão épica-idílica para a revolta aparece em texto de Assia Al-Atrouiss para "Al-Sabah" ("A Manhã", do Iraque): "Os povos não aceitam mais morrer em silêncio; aspiram viver com dignidade".

Fecha com uma frase que é prudente comprar: "Isso deixa abertas todas as hipóteses para o futuro".

Charges - JB

CLAIRE CAIN MILLER - Na rede, o que importa são as palavras-chave

Para ganhar audiência, sites adaptam conteúdo para a atração de leitores em serviços de buscas, e não na qualidade editorial

O site The Huffington Post contratou jornalistas veteranos para melhorar o conteúdo do seu noticiário. Entretanto, parte significativa dos seus leitores prefere artigos como o que foi publicado esta semana: "Chelsy Davy e o príncipe Harry: felizes juntos?" O texto de duas sentenças foi apenas um veículo para um conjunto de fotos do casal, sem qualquer notícia. Mas "Chelsy Davy" foi um dos nomes mais procurados no Google naquele dia e, logo depois da publicação, o artigo se tornou um dos primeiros links que explodiram nos resultados de busca do Google.

Este é um exemplo de uma arte e ciência na qual The Huffington Post se destaca: a otimização para mecanismos de busca (SEO, na sigla em inglês). O termo se refere a uma ampla variedade de táticas para fazer com que os usuários visitem um site na internet, como escolher tópicos para artigos baseados nas palavras-chave mais procuradas.

Como o Google é a porta de entrada da rede para vários usuários, a SEO tornou-se uma obsessão para muitos editores da rede, e os mais bem-sucedidos usam a estratégia em graus variados. Mas o consenso é que o aumento da concorrência por leitores entre jornais, revistas, blogs e sites transformaram a busca em prioridade - com isso, as empresas passaram a adotar novas técnicas, como explorar ao máximo as mídias sociais.

A capacidade do Huffington Post de usar essas táticas a fim de aumentar o número de leitores foi uma das razões que levou a AOL a adquiri-lo por US$ 315 milhões. A Demand Media, que administra sites como o eHow e Answerbag.com e valoriza a otimização para mecanismos de busca provavelmente mais que qualquer outro veículo, captou US$ 151 milhões em uma oferta pública de ações em janeiro.

Qualidade. Modelos como estes poderão preparar o caminho para um jornalismo lucrativo na era "pós-impressão", segundo analistas - ou, como outros temem, levar a mídia online a publicar artigos de baixa qualidade escritos para apelar aos buscadores e não aos leitores.

A SEO é "absolutamente essencial", afirma Rich Skrenta, diretor executivo do motor de busca Blekko. No entanto, ela acrescenta que a ferramenta pode ser o fim da qualidade da mídia online. "No início, os sites tinham um conteúdo realmente ótimo, mas agora se deram conta de que quanto maior a SEO, maior o lucro, e a pressão faz realmente com que a qualidade caia."

Existe uma indústria da otimização do motor de busca e de mídias sociais, e muitos profissionais com esse tipo de conhecimento encontraram emprego nas empresas de mídia online. Algumas das estratégias incluem a inclusão de palavras-chave que as pessoas podem pesquisar, títulos enigmáticos que leitores não resistem em clicar e numerosos links para outros artigos.

Além de escrever artigos baseados nas buscas mais comuns no Google, o Huffington Post escreve títulos como "Veja: Christina Aguilera se atrapalha com o hino nacional". Muitas vezes, usa as frases mais buscas no Google em seus artigos. Com essas técnicas, 35% das visitas ao site em janeiro vieram de buscadores, contra os 20% da CNN.com, informa a consultoria Hitwise. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA