sábado, 30 de abril de 2011

Cidadão Kane: Ainda revolucionário e genial

Murilo da Silva Navarro

70 anos após a sua primeira exibição em maio de 1941, o filme Cidadão Kane, do cineasta norte–americano Orson Welles, ainda fascina diretores de cinema, críticos, escritores e acadêmicos. Em todos esses anos o filme continua exibindo pujança narrativa, originalidade técnica e beleza visual que o mantêm no ápice das listas de filmes mais importantes de todos os tempos.

Quando Orson Welles dirigiu, produziu, protagonizou e foi co-roteirista de Cidadão Kane, ele tinha 25 anos e já havia conquistado fama no rádio. Em 1939 Welles tinha feito história ao transmitir um programa de rádio que simulava a invasão dos Estados Unidos por marcianos. Sua dramatização para A Guerra dos Mundos, de H. G. Welles, foi tão realista que aterrorizou milhares de ouvintes americanos.

A notoriedade adquirida nesse episódio, juntamente com o sucesso obtido pelas adaptações teatrais de peças de Shakespeare, permitiu a Orson Welles conseguir um contrato com o Estúdio Cinematográfico R.K.O, que lhe oferecia condições excepcionais para a época. Nenhum outro diretor tinha até então obtido tamanha liberdade para o desenvolvimento de um filme. A R.K.O concedeu-lhe independência total para formar a equipe técnica do filme. Ele contratou uma equipe de primeira linha, liderada pelo inventivo fotógrafo Gregg Toland. Convidou para o elenco Joseph Cotten e Agnes Moorehead, atores do seu grupo Mercury Theater e a trilha sonora ficou a cargo do genial maestro Bernard Herrmann.

Welles escolheu um tema explosivo: roteirizou, juntamente com Herman J. Mankiewicz, a vida do magnata da mídia William Randolph Hearst, considerado o pai da imprensa sensacionalista na América do Norte.

Mantido em segredo pelos estúdios, o projeto recebeu a denominação de R.K.O 281 (era esse o número do palco do estúdio onde o filme foi rodado no segundo semestre de 1940). Durante as filmagens, Welles manteve-se discreto e reticente a respeito das semelhanças entre seu personagem, Charles Foster Kane, e Hearst, chegando mesmo a vazar para a revista Stage, em dezembro de 1940, uma sinopse sobre o filme, na qual Kane era apresentado como mais uma encenação de Fausto, de Goethe.

Ao descobrir que o filme era baseado em sua vida, Hearst travou uma feroz batalha contra Welles, com o objetivo de destruir o filme. Usou, para isso, seus jornais, revistas e rádios e sua influência em Hollywood. Ameaçou revelar em seus jornais os escândalos da elite de Hollywood caso os negativos do filme não fossem destruídos (um em cada cinco americanos lia os jornais de Hearst).

As pressões do império Hearst logo se estenderam ao resto da indústria do cinema, o que levou Louis B. Mayer, o chefão da Metro, a reunir-se com diretores de outros estúdios e, em seguida, propor a George J. Schaefer (Diretor da R.K.O) a destruição de todas as cópias e do negativo de cidadão Kane, mediante um pagamento que , no mínimo, cobriria o custo total da produção. Schaefer recusou a oferta, aceitando, porém, extrair do filme cenas ou referências diretas a Hearst e sua amante, de comum acordo com Orson Welles.

Após a estréia no R.K.O Palace da Broadway, no dia 1º de maio de 1941, o filme de Welles foi atacado pela mídia controlada por Hearst e teve uma acolhida fria do público, tendo os seus produtores arcado com um prejuízo de US$ 160 milhões. O filme concorreu ao Oscar e foi indicado em nove categorias, mas boicotado, ficou somente com o de melhor roteiro.

Somente com o fim da guerra é que o filme obteve o reconhecimento internacional, através de estudos realizados pelo criador do Cahiers Du Cinema, André Bazin e por críticos e pesquisadores americanos e franceses. A votação, realizada a cada 10 anos pelo British Film Istitute, que desde 1962 elege Cidadão Kane como o filme mais importante de todos os tempos, contribuiu para elevar o filme ao status de obra mais importante da arte cinematográfica americana e marco- zero do Cinema Moderno.

Mesmo com o filme ganhando adeptos ao longo do tempo, um artigo publicado pela crítica de cinema Pauline Keal, em 1971, gerou polêmica ao afirmar que as inovações contidas no roteiro do filme devem-se mais a Mankiewicz do que a Welles. Essa tese tinha muitos furos e foi combatida e refutada por vários historiadores, principalmente pelo crítico e cineasta Peter Bogdanovich. “Sem as mão de Welles o roteiro de Mankiewicz tornar-se-ia um emaranhado de situações”, afirma Bogdanovich.

A história do cinema mostrou que a obra prima de Welles foi um hiato fundamental que gerou vocações de futuros diretores de cinema, impôs soluções de mise-en-scène até então inéditas e ainda hoje é um ponto de referência na arte cinematográfica.

Cidadão Kane sobreviveu a todas as dificuldades e mantém o frescor revolucionário e contemporâneo de sua linguagem. Influenciou cineastas como Stanley Kubrick, Martin Scorsese, David Lean e Wood Allen (que o homenageou no filme Zelig -1983). O diretor francês François Truffaut era seu admirador. “Nenhum outro filme estimulou tantos jovens a virar cineastas”, escreveu e resumiu o filme como sendo “um hino à juventude e uma meditação sobre a velhice, um ensaio sobre a vaidade e um poema sobre a decrepitude.”

Outra curiosidade no filme é que a história do personagem Charles Foster Kane guarda semelhanças também com dois outros magnatas da comunicação.. Silvio Berlusconi na Itália e Roberto Marinho no Brasil, que inclusive ganhou um documentário produzido pela BBC de Londres intitulado “Beyond Citizen Kane”

quinta-feira, 28 de abril de 2011

PASQUALE CIPRO NETO - Foi sem querer querendo

Sugiro ao nobre senador a leitura do capítulo 31 de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" ("A Borboleta Preta")


QUEM NÃO É ESPECIALISTA nos estudos da linguagem talvez não saiba o que é a análise do discurso. Um dos objetivos dessa disciplina, entre outros, é "desvendar" o que está por trás de certas construções linguísticas, enunciados etc.
É claro que há muitos exageros nesse território. Há muitos "doutores" nessa matéria que veem chifres em cabeça de urubu, jacaré, macaco, sapo, barata etc., mas não os veem em cabeça de boi. Nos tristes tempos do (ultrachato e macartista) "politicamente correto", então, é um tal de muito analista do discurso ver "preconceito" em qualquer manifestação. O resultado disso é a "hipocritização" do discurso, tão nefasta quanto o exagero no exercício do "politicamente correto".
Deixemos de lado os exageros e vejamos como o modo de perguntar/dizer algo pode deixar subentendido determinado prejulgamento. Vou dar como exemplo algo que ocorreu comigo há alguns dias, no aeroporto de Confins (MG). Ao fazer o check-in, induzido pela má colocação dos cartazes de separação dos passageiros (quem fez o check-in pela internet e só vai entregar a bagagem, quem não o fez, quem tem o cartão X etc.), entrei na fila errada. Quando percebi, fui para a posição certa (a dos possuidores do cartão X), que ficava ao lado daquela em que eu estava. Não havia ninguém na fila. Como fui recebido pela funcionária? Com uma gentil pergunta: "O senhor furou a fila?".
Sem comentários, não? Achei melhor fingir que não ouvi a pergunta e mostrar logo o tal cartão. A moça empalideceu e me tratou com muita gentileza. Só não pediu desculpas pela gafe. O que a terá levado a fazer-me a tal pergunta? Deixo para você a resposta, caro leitor.
Pois passemos de Confins para Brasília. Você decerto sabe que na última segunda-feira um nobre senador da República sequestrou o gravador de Victor Boiadijan, repórter da Rádio Bandeirantes. Na terça, no plenário, o senador disse, entre outras joias, que sequestrou o gravador para evitar que o repórter editasse a entrevista. Pois bem, caro leitor, o que está por trás do que disse o senador? A clara afirmação (acusação) de que o repórter da Bandeirantes edita entrevistas, ou seja, manipula, monta e remonta o que lhe dizem seus entrevistados.
Isso me lembra a corriqueira história do elevador que demora muito para aparecer. O indivíduo que está no térreo esmurra a porta. Enquanto isso, outro indivíduo, que está no terceiro andar, também espera há algum tempo o elevador, que não se sabe onde está (não há painel indicativo). Finalmente chega o ascensor. O cidadão que está no terceiro andar o toma e desce. Ao chegar ao térreo, é recebido aos berros e insultos por quem lá estava. Pensar dói. O culpado é sempre o outro, o primeiro que aparecer pela frente.
Não é preciso ser doutor em análise do discurso para perceber a inconsistência dos argumentos do senador. O fato é que ele tomou uma atitude violenta e apresentou para seu ato justificativas dignas de torcedores fanáticos, daqueles de torcidas organizadas (Xi! Lá vem o pessoal do politicamente correto dizer que... Dai-me força e paciência, Senhor!), ou seja, justificativas que "justificam" o injustificável. É claro que isso só vale para os próprios atos (para os do outro, não e não).
Do alto da minha insignificância, sugiro ao nobre senador (e a quem mais possa interessar-se) a leitura do genial capítulo 31 de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" ("A Borboleta Preta"), de Mestre Machado de Assis. O percurso dos argumentos que o narrador apresenta para a toalhada que dá na borboleta preta faz do senador um principiante na matéria. Aula das aulas. É isso

CARLOS HEITOR CONY - Tasso da Silveira

RIO DE JANEIRO - Um nome que apareceu na mídia de forma inesperada e dramática. Contudo não li uma única linha na imprensa escrita, nem ouvi, no rádio ou na TV, o mínimo comentário sobre Tasso da Silveira (1895-1968), cujo nome inocente e ilustre foi dado a uma escola em Realengo.
Trata-se de um brilhante intelectual da primeira metade do século passado, sobretudo um professor estimado pelos alunos, além de poeta e ensaísta que marcou uma corrente de origem simbolista, da qual fizeram parte poetas como Cecília Meireles e Murilo Mendes.
O grupo de Tasso da Silveira foi o contraponto literário e espiritual do nativismo dos Andrades, Mário e Oswald.
Ele praticou, segundo Péricles Eugênio da Silva Ramos, "uma poesia simples, clara, de cunho moral, cheia de espiritualidade e leveza; a nitidez e a religiosidade de seus versos atingem o auge em "O Canto Absoluto", de 1940".
Por ironia do destino, o nome de um homem delicado, marcado pelas coisas do espírito, foi dado a uma escola que serviu de cenário a uma das maiores tragédias da vida nacional, o massacre de 12 crianças em 7 de abril. Ouço comentários de gente ligada ao magistério e às letras sobre a conveniência de se mudar o nome da escola, a fim de que o poeta e professor de tantas gerações não fique associado ao episódio de Realengo.
Aliás, é um problema que caberá às autoridades municipais decidir: se devem manter como escola o prédio manchado por sangue ou se dão ao edifício outro destino que não lembre a chacina de tantas crianças.
O nome de Tasso da Silveira continuará merecendo memória em outro estabelecimento de ensino ou em fundação oficial destinada à educação da juventude, para resgatar a herança que nos deixou um homem que viveu em função do bem e do belo.

Thor | Crítica Cinema | Omelete


Marvel Studios amplia suas fronteiras

Érico Borgo
18 de Abril de 2011

O Marvel Studios continua em Thor (2011) a construção de seu universo adaptado das histórias em quadrinhos nas telas. O grande diferencial do longa-metragem do Deus do Trovão, porém, em tempos em que se procura um suposto "realismo" nas histórias de super-heróis para os cinemas, é a aposta em uma aventura das mais fantasiosas - uma que começa a trazer a essa mídia alguns dos conceitos mais complexos e imaginativos do Universo Marvel.

Até Thor, as produções controladas pela Marvel nos cinemas, os dois Homem de Ferro e O Incrivel Hulk, resumiram-se às aventuras embasadas na ciência. Agora, essa ciência ganha contornos muito mais fantásticos que Raios Gama e Geradores de Arco. O público começa a ser apresentado ao outro lado do Universo Marvel, em que magia e outros planos de existência vão surgindo.

Em Thor, afinal, somos apresentados aos asgardianos, seres imortais de outra dimensão, que, ao revelarem-se aos vikings, foram confundidos com deuses, iniciando a mitologia nórdica. Thor (Chris Hemsworth) é um príncipe desse povo, um jovem impetuoso e tolo, cujas ações desencadeiam uma nova guerra contra os Gigantes do Gelo, liderados pelo Rei Laufey (Colm Feore). Banido para a Terra por seu pai, Odin (Anthony Hopkins), ele precisa aprender lições de humildade se quiser tornar-se digno de brandir novamente sua arma, o martelo Mjolnir, e com ele seu poder imortal.

Toda a construção de Asgard, a morada dos asgardianos, enche os olhos, assim como a cultura desse povo. Figurinos, o design da cidade, a iluminação e as cores, é tudo impressionante - especialmente para quem cresceu lendo as aventuras do Deus do Trovão nas histórias em quadrinhos. Asgard nunca foi tão bem retratada no papel ou fora dele.

A seleção de Hopkins como o "Pai de Todos", Odin, é igualmente acertada. O ator dá enorme peso e nobreza ao personagem. Hemsworth, por sua vez, não compromete (seu peso é outro, em massa muscular). É Tom Hiddleston, o Loki, quem tem qualidade para segurar-se ao lado do oscarizado veterano. O inglês, que já trabalhou com o diretor Kenneth Branagh na série Wallander, divide com Hopkins as melhores cenas do filme, entregando ao cineasta a qualidade "shakespeareana" que o levou a se interessar pela história.

Branagh também aproveita a natureza épica do roteiro para criar batalhas emocionantes, à altura das maiores aventuras do personagem nas páginas dos quadrinhos. O embate de Thor com o Destruidor, por exemplo, é um dos mais empolgantes já mostrados em filmes do gênero.

Os problemas de Thor começam quando a trama, escrita por J. Michael Straczynski e Mark Protosevich, sai do plano de Asgard em direção à Terra. A necessidade de tornar a trama mais palatável ao grande público obriga o roteiro a martelar relacionamentos e situações mais próximas da realidade do espectador. Entra em cena então o núcleo formado por Natalie Portman (Jane Foster), Stellan Skarsgård (Dr. Selvig) e Kat Dennings (Darcy, um forçadíssimo alívio cômico), que servem como a âncora de Thor em nosso mundo. É fato que Natalie Portman é adorável... mas que uma noite de conversa fiada ao lado da fogueira baste para que Thor se apaixone e torne-se um protetor jurado de nosso planeta, à serviço de suas forças governamentais, é mais difícil de acreditar do que um mundo povoado por vikings imortais.

É um vício de roteiro difícil de relevar, por mais que o lado fã fale mais alto e vibre a cada referência e easter egg do Universo Marvel - do outdoor de "Journey Into Mistery" à participação de Jeremy Renner como Gavião Arqueiro, passando pela menção a Bruce Banner e a cena pós-créditos que deixa tudo pronto para o filme d´Os Vingadores. Apoiar-se em Shakespeare teria bastado. Aliás, basta há séculos.

Igualmente estranha é a opção de Branagh de filmar quase tudo no "ângulo holandês". Em linguagem cinematográfica, a inclinação da linha do horizonte é usada para causar desequilibrio e sensação de deslocamento. Mas quando o recurso é usado em excesso, o resultado em certos momentos beira a comicidade. Essa estética, combinada ao 3D, que pouco acrescenta ao filme, tira muito do mérito de Thor.

De qualquer maneira, por ampliar nas telas os limites do Universo Marvel para além da ciência, por deixar de lado o realismo e manter a diversão como foco e por abrir caminho para outras ideias (novamente, fique até o final dos créditos), a "Jornada aos Mistérios" de Thor é obrigatória aos fãs.


Thor | Omelete Entrevista Kenneth Branagh

Diretor fala da escala épica, dos ecos shakespeareanos e do trabalho com a Marvel


Steve Weintraub
27 de Abril de 2011

Embora tenha participado de franquias como Harry Potter e filmes de ação como As Loucas Aventuras de James West, o ator Kenneth Branagh é conhecido no cinema pelas adaptações de clássicos literários, especialmente de peças de William Shakespeare, como as três que ele dirigiu: Henrique V, Muito Barulho por Nada e Hamlet.

Foi com surpresa, portanto, que veio a notícia de que a Marvel queria Branagh para dirigir Thor. A versão para as telas da HQ do Deus do Trovão chega aos cinemas no Brasil nesta sexta, e o irlandês exercita seu lado teatral ao narrar as trágicas intrigas palacianas de Asgard.

Já haviamos conversado com Branagh durante a Comic-Con do ano passado. Agora nosso correspondente em Los Angeles e editor do Collider, Steve Weintraub, fala com o diretor sobre o desafio de levar Thor ao cinema.

Você usou sua formação shakespeareana em Thor?

Thor tem uma escala imensa. Levamos meses - anos - de planejamento nele. Mas o conteúdo combina o que temos nos quadrinhos com histórias bastante pessoais e reconhecíveis, como a temática do pai e filho de Hamlet, por exemplo. Então, neste caso, em que a família em questão é dotada de enorme poder e consequência, quando seus integrantes discutem é o universo que paga o preço. É isso que dá o tom épico do filme. Ao mesmo tempo, eu não queria que os personagens soassem shakespeareanos, queria mostrar que eles ainda são como nós. Especialmente nas cenas intimistas, o desafio foi encontrar um modo de falar que conseguisse cumprir o que eu acho que as pessoas gostam nos quadrinhos, uma certa diferença na maneira de falar, para que você acredite que eles são deuses, são inumanos, mas ao mesmo tempo não fiquem muito shakespereanos. Acho que nós conseguimos capturar muito bem isso.

Um dos grandes problemas em adaptar Shakespeare é que você não pode ligar pra ele pra conversar. [risos] Eu tentei várias vezes e ele não retorna as ligações, não escreve de volta... Já em Thor foi o contrário. Dá pra falar com Stan Lee, com [J. Michael] Straczynski... Existem várias pessoas-chaves nisso tudo que podem te auxiliar. Existe também o extremo entusiasmo das pessoas que estão trabalhando nesse projeto, você sente que eles realmente querem fazer esses filmes e é assim que eu gosto de trabalhar.

Houve grande colaboração com a Marvel então? Como foi?

Há mais ou menos dois anos, eu almocei com Stan Lee, quando começamos a falar sobre Thor. Depois, ele veio ao set e mostrou um grande interesse por tudo. Além dele, também discutimos bastante com outras pessoas de importância na Marvel, com as quais tentamos encontrar um equilíbrio entre o passado - não é por acidente que a Marvel ainda está por aqui, que os quadrinhos deles ainda estão no mercado - e a linguagem do cinema. As versões de Straczynski para as HQs foram um novo marco para o personagem. Ele deu um tratamento imaginativo fantástico para os personagens e as paisagens de Asgard e também para a Terra contemporânea. Eu realmente gostei da natureza colaborativa de todo o projeto. Meu trabalho foi guiar, mover algumas coisas de lugar, mas ao mesmo tempo eu tive que selecionar material de uma enorme variedade de talentos que conhecem essa história muito bem. Essas pessoas têm um conhecimento e um entusiasmo incríveis e gostam desse tipo de desafio. Há muitas maneiras de errar, muitas armadilhas para evitar, o que faz de tudo isso muito interessante e difícil, mas realmente emocionante, mesmo quando você pensa que está chegando perto de acertar.

Como era a atmosfera no set?

Éramos um grupo incrível de pessoas muito animadas e bem motivadas durante as filmagens. Demos muita sorte com os atores também. Todos estavam muito interessados em seus personagens, nos quadrinhos e na história em si. Jamie Alexander, por exemplo, conhecia cada fala e cada cena.

O seu passado em filmes épicos de época, como Henrique V, te ajudou na preparação e no entendimento da escala desse mundo?

Eu acho que sim. Eu fico muito animado quando o assunto é o gênero dos épicos. Eles não me assustam. Eu gosto daquele momento em que você entra em uma sala escura, com centenas de pessoas, em frente a uma tela grande, pronto para aceitar coisas que vão além da realidade. Você está pronto para aceitar um tipo de realidade aumentada que dá uma liberdade catártica; te deixa curtir problemas muito maiores daqueles que qualquer pessoa jamais terá que enfrentar - a não ser que você tente governar nove reinos diferentes através do Cosmo. [risos] Mas, ainda assim, existem os problemas humanos centrais que se mantêm os mesmos.

A escala de Thor foi determinante para a sua aceitação do projeto, então?

Por mais que o tamanho das coisas me atraia, essa atração é só parcial. Há também a preocupação em tornar isso interessante. É claro que nós sempre estamos interessados nas vidas de pessoas grandiosas e o que acontece entre quatro paredes com elas. É como na série The West Wing, que mostra o que acontece nos corredores do poder e como existem "pessoas normais" envolvidas em coisas como inaugurações épicas ou coroações; como essa dinâmica funciona. Eu já tenho prática nisso, nessa fusão de escala, mas isso não torna tudo mais fácil, mas eu acho divertido. É bem legal estar em um mundo onde tudo pode ser discutido de um modo que possa oferecer reflexão mas, no fundo, também oferece entretenimento. Nós fizemos um filme bem divertido e que não insulta o público, mas que também não tenta ser um filme artístico.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Não existíamos e não sabíamos - Arnaldo Jabor

Na revista piauí deste mês, há um artigo seminal de Pérsio Arida, sobre sua participação juvenil na guerrilha urbana. Lá está a análise rara de um prisioneiro torturado sobre a onda revolucionária que pegou nossa geração; lá estão os humanos tremores, a dúvida, o medo, todo o irresistível delírio ideológico e psicológico que insuflou uma geração para sofrimentos e mortes depois de 68. A luta armada foi a consequência da fé que tínhamos antes de 64, influenciados pela guerra fria, Cuba liberada, Vietnã.

A importância que restou de tudo, como Pérsio aponta, foi justamente a "via-crúcis" que tivemos de viver e que, por vias tortas, acabou nos levando à democracia em 85. Historicamente, foi bom.
O golpe militar de 64 aconteceu porque nós não existíamos. Éramos uma ilusão. A esquerda era uma ilusão no Brasil. (Já imagino as "cerdas bravas do javali" se eriçando em alguns cangotes). Mas, existia o quê? Existia uma revolução verbal. A ideologia "revolucionária" era um ensopadinho feito de JK, Marx, Getúlio e sonho. Existia uma ideologia que nos dava a sensação de que o "povo do Brasil marchava conosco", um "wishful thinking" de que éramos o "sal da terra". Havia a crendice de que nossos inimigos estavam todos "fora" de nós, fora do País e das estruturas políticas arcaicas que nos corroem há 400 anos. Existia um "bacalhau português" em nosso discurso, um forte ranço ibérico em nosso aparente "rationale" franco-alemão: o amor ao abstrato, a literatura salvacionista, a busca de um "Uno" totalizante. A população nem sabia que existíamos. Não havia base material, econômica ou armada, "condições objetivas" para qualquer revolução. Por trás de nossas utopias, o Brasil escravista e patriarcal dormia a sono solto, intocado. Éramos uma esquerda imaginária, delegando ao Estado a tarefa de fazer uma revolução contra o Estado. Até nas revoluções precisamos do Governo.
Por baixo dos sonhos juvenis, havia apenas o sindicalismo de pelegos e dependentes do presidente, que deu a grande festa de 13 de março (o comício da Central, com tochas da Petrobrás e clima soviético). Eu estava lá, olhando para Thereza Goulart, linda de vestido azul e coque anos 60 e vendo, depois, com calafrio na espinha, as velas acesas em protesto contra nós em todas as janelas da classe média "reacionária", do Flamengo até Ipanema. Essa era a verdadeira "sociedade civil" que acordava. Hoje, acho que o único cara que sacava a zorra toda era o próprio Jango, mais brasileiro, mais sábio, entre os gritos de Darcy Ribeiro falando do "Brasil, nossa Roma tropical!". Havia uma espécie de "substituição de importações dentro da alma": a crença de que éramos "especiais" e de que podíamos prescindir do mundo real, fazendo uma mutação por vontade mágica. Só analisávamos a realidade "objetiva", quando tínhamos de estar incluídos nela, subjetivamente. Em seu artigo, Pérsio se inclui.
Mas existia o que, então?

Existiam os outros. Os "outros" surgiram do nada. O óbvio de nossa cultura pipocou do "nada" em 64. Fantasmas seculares reviveram. Apareceu uma classe média apavorada e burra, que sempre esteve ali. Surgiu um Exército autoritário e submisso às exigências externas. Ficamos conhecendo a ignorância do povo (que idealizávamos), descobrimos que a resistência reacionária de minhas tias era igual à dos usineiros e banqueiros. Descobrimos a violência repressiva de uma falsa "cordialidade". Descobrimos o óbvio do mundo.

Eu estava dentro da UNE pegando fogo no 1.º de abril e quase morri queimado; mas, senti nesse dia que a vida real começava. A sensação não foi de derrota; foi a de acordar de um sonho para um pesadelo. Um pesadelo feito de milicos grossos, burrice popular e pragmatismo de gringos do "mercado". (Foi inesquecível o surgimento de Castelo Branco, feio como um ET de boné verde, na capa do O Cruzeiro).

Em 64, começara o calvário que nos levou a uma possível maturidade. Despertamos para a bruta mão do "money market", que precisava nos emprestar dinheiro, para que o Estado pós-getulista-verde-oliva avalizasse a instalação das multinacionais aqui. Ou vocês acham que iam nos emprestar US$ 100 bilhões para o Jango fazer a reforma agrária com o Francisco Julião? Aprisionaram-nos para contrairmos a dívida como, 20 anos depois, nos libertaram para pagá-la. Depois de 64 e 68, vimos que a esquerda tinha "princípios" e "fins", mas não tinha "meios".
Nossos paranoicos achavam (e muitos continuam achando) que somos vítimas de uma trama de Washington.

Claro que a CIA armou coisas com direitistas daqui, mas foram apenas os parteiros do desejo material da Produção.

O tempo da ditadura foi um show de materialismo histórico. Mas ibérico não gosta de ver essas coisas. E, logo, tapamos os olhos e nos consideramos as "vítimas", lutando pela "liberdade" formal. E não víamos que a barra-pesada estava entranhada em nossas instituições políticas, assim como não havia ideal democrático nenhum em nossos guerrilheiros. Nessa época, poderíamos ter descoberto que um país sem sociedade organizada morre na praia. E deveríamos ter descoberto que não adianta nada analisar os "erros" de nossa esquerda "revolucionária" como se fossem erros episódicos, veniais. A esquerda no Brasil tem de ser repensada "ab ovo", pois é impossível trancar a complexidade de nossa formação nacional num "pensamento único". Por isso, é desesperante ver gente ainda querendo restaurar ilusões perdidas.

O tempo não para e as forças produtivas do mundo continuarão agindo sobre nossa resistência colonial.

A mutação modernizadora, digital, do mundo nos obriga à democracia. Quando entenderemos que a verdadeira revolução brasileira tem de ser endógena, democrática e que só um choque de capitalismo e de empreendedores livres pode arrasar o "bunker" corrupto, a casamata secular do Estado patrimonialista? Pérsio não morreu e, 20 anos depois, ajudou a acabar com a inflação. Valeu...

Entrevista - Gerald Thomas

Gerald Thomas reúne em livro crônicas que o qualificam como 'testemunha acidental da História'

Capa do livro 'Nada Prova Nada!', de Gerald Thomas / Foto Reprodução


RIO - Dois Baracks (Obama, um pré e um pós-Casa Branca), um La MaMa (Theatre, lá de Nova York), saudades de Beckett e perplexidade frente à Paixão antissemita de Mel Gibson diversificam o cardápio literário servido por Gerald Thomas no livro "Nada prova nada!". Nas livrarias esta semana, via editora Record, a coletânea de crônicas, a maioria delas pinçada da blogosfera, condensa a vocação de escritor, de comentarista político e até de jornalista do polêmico diretor teatral. É seu momento Forrest Gump, contando suas histórias da História. Preparando-se para encenar em Munique seu mais recente espetáculo, "Throats", montado em Londres de fevereiro a março, Gerald, morando em solo nova-iorquino, comenta nesta entrevista sua experiência como cronista, atualiza as novidades sobre "Copywriter", longa-metragem que tenta rodar desde 2002, e fala dos dez anos da tragédia do 11 de Setembro.

O GLOBO: Escrever crônicas alimenta suas ambições literárias?
GERALD THOMAS: Fora "Pedra de toque", texto inédito escrito para o livro, o que você lê é o resultado de sete anos de blog, com milhares de textos produzidos. Alan Flavio Viola, que fez a seleção da coletânea, reuniu um conjunto de crônicas que me dá um gás para tentar outra coisa. Se eu não tivesse com as mãos ocupadas com "Throats", que virá para São Paulo em maio, eu poderia tirar um ano sabático e escrever um romance. Bom... não sei se seria um romance. Talvez eu tivesse que fazer o livro sobre o teatro La MaMa. Já me falaram em um livro sobre Beckett, mas eu não sou um crítico analítico. Ele foi meu mentor.


Lidas em conjunto, as crônicas adquirem um tom nostálgico. Você mesmo fala em nostalgia na primeira pessoa. São saudades de quê?
Eu desabafo. Desabafo no livro, desabafo no blog ( geraldthomasblog.wordpress.com ), desabafo no palco com a companhia, a Dry Opera. Sou um falador. Sempre fui. E tô muito velho para mudar.


No entanto, mais que desabafar, você traça uma História particular da segunda metade do século XX e da primeira década do XXI no livro, num espírito Forrest Gump. Você presenciou alguns dos principais eventos dos últimos 50 anos. Essas crônicas são a memória desses eventos?
" Estava num apartamento virado para o World Trade Center quando o 11 de Setembro aconteceu. Estava no Tennessee quando o dr. Martin Luther King foi assassinado "

Estava num apartamento virado para o World Trade Center quando o 11 de Setembro aconteceu. Estava no Tennessee quando o dr. Martin Luther King foi assassinado. Fazia parte do comitê de campanha de Obama quando o primeiro presidente negro dos EUA foi eleito. I've always been there. Por isso, o livro parece um passeio pelo mundo das catástrofes, indo das loucuras de Muamar Kadafi à merda da intervenção americana no Iraque. Sou testemunha acidental da História. Acidental ou premonitória.

Leitores de seu blog postam perguntas do tipo: "Gerald, o que você vai fazer para lembrar os dez anos do 11 de Setembro?" Já decidiu?
Nem sei onde eu vou estar no 11 de Setembro. Provavelmente eu vou estar aos prantos. Talvez eu ainda esteja na Alemanha encenado "Throats". O que eu posso dizer sobre o 11 de Setembro hoje é que inverteram-se as cartas que nos fizeram sentir patrióticos no momento da tragédia. Ficou claro para todo mundo o envolvimento do Bush e do Dick Cheney em tudo aquilo. Para justificar uma invasão sangrenta ao Iraque, inventaram uma conexão do Saddam Hussein com os atentados e caçaram o cara até achá-lo num buraco suspeitíssimo. E o pior é que uma imunidade política impediu que o Bush fosse investigado. Isso aqui não é uma democracia. É uma república de mãos incrivelmente sujas. Os americanos só conhecem o mundo pelos países que invadem. Ninguém aqui saberia onde fica o Vietnã se não tivesse acontecido a guerra.

Seu desprezo por Bush é inversamente proporcional à sua admiração por Obama. O entusiasmo permanece?
Amo o Obama cada vez mais, porque ele quebrou o monopólio da direita de um modo que os republicanos, até agora, são incapazes de encontrar um candidato à altura dele para disputar as próximas eleições presidenciais.

E quanto ao Brasil de Lula e, agora, o Brasil de Dilma?
Não sei nada sobre a Dilma, só o fato de que ela recebeu Obama muito bem. Sei que ela era a queridinha do Lula e que foi guerrilheira. Sobre Lula, não tenho nada a dizer, embora não tenha rancor. Quando Gilberto Gil virou ministro da Cultura e tachou o teatro que eu faço de elitista, eu me afastei das questões brasileiras. O que eu faço pode ser entendido pelo leigo mais vagabundo. É simples.

Você defende a simplicidade até analisando Beckett em "Nada prova nada!".
Beckett fala de coisas reais. Ao falar de alguém que não chega em "Esperando Godot", ele denuncia a falsa esperança, algo real. Não é diferente de Plínio Marcos: "Godot" fala de dois perdidos numa noite suja. Até Bergman, por maior que seja, é mais simples do que ele é lido. Era um homem de teatro, que >ita

Cadê seu primeiro longa-metragem como realizador, que você anunciou em 2002, com o ator dinamarquês Kim Bodnia?
Kim se mostrou inconfiável. Mas Hugh Hudson (diretor de "Carruagens de fogo", com quem Gerald palestrou em 2008 na Mostra de São Paulo) é um incentivador do filme, que se chama "Copywriter". Meu problema é tempo para terminar o roteiro.

Mel Gibson é tema da crônica mais engraçada do livro. Já a crônica sobre Cacá Diegues é a mais elogiosa.
Gibson deve sofrer de uma impotência grave para justificar sua intolerância. Cacá é o grande gênio do cinema. Não vi "Tropa de elite" ainda. No Brasil, o José Padilha, que é muito simpático, deixou um DVD comigo, mas minha mala foi extraviada.

Quem é quem na rede

Vontade de chamar a atenção e um estado de autocrítica rebaixada fazem as pessoas exibirem na internet até o que não querem mostrar
Felix Lima - 25.fev.2011/Folhapress

A modelo Bruna Tenório, 23, que mora em Nova York, usa a rede social para se comunicar com amigos

IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aquele colega de faculdade que era tão simpático agora é o chato que registra os detalhes mais insignificantes do seu dia no Facebook.
Quem estava interessado em negócios e começou a seguir o executivo bem-sucedido no Twitter fica sabendo só sobre suas viagens e festas.
E é sempre um constrangimento quando um conhecido resolve expor suas crises pessoais na internet.
Frequentar as redes sociais é uma boa maneira de manter contatos, mas é preciso conter a ansiedade, a raiva e a curiosidade nessas salas sem paredes.
Muitas pessoas se sentem tão à vontade no mundo virtual que acabam revelando aspectos de suas personalidades que surpreendem (ou aborrecem) os demais.
"Todos nós temos aspectos desconhecidos até de nós mesmos, que podem ser positivos, como talentos, ou sombrios, como medos. A internet é um meio propício para experimentar esses lados", diz Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP.
Uma das hipóteses para isso é que, quando se está na internet, perde-se um pouco a noção de tempo e espaço.
O internauta fica em imersão, o que favorece uma condição quase de sonho. "As pessoas se sentem mais capazes de expressar desejos que, na vida presencial, pensariam 10 mil vezes antes de demonstrar", afirma.
Nesse estado alterado de consciência, a censura e a autocrítica ficam rebaixadas.
Um estudo da Universidade da Califórnia (EUA) mostrou que os internautas ficam em estado contínuo de atenção parcial e alerta permanente. Os resultados indicam que o Twitter estimula a liberação do hormônio ocitocina e diminui os níveis do cortisol, associado ao estresse.
Segundo a pesquisa, as conexões on-line são entendidas pelo cérebro como contatos cara a cara.

SEDE DE ATENÇÃO
"Eu vejo dualidade nas pessoas nas redes sociais: o tímido se torna expressivo, e pessoas que no convívio são agradáveis e educadas ficam agressivas", diz Gil Giardelli, professor da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Para ele, a vontade de chamar a atenção é uma das explicações.
Um levantamento feito pelo Facebook mostra que usuários que fazem mais críticas são os que recebem mais comentários.
Para o especialista em planejamento estratégico digital Felipe Morais, os internautas se surpreendem com o comportamento alheio porque, na verdade, acabam trazendo para o seu convívio pessoas que não conhecem a fundo. "Eu mesmo tenho mais de 800 contatos no Facebook, mas posso dizer que realmente conheço uns 15."
Já o estudante de direito Guilherme Saraiva, 20, diz que já excluiu da sua lista pessoas "chatas".
A maioria dos usuários de redes sociais prefere o papel de espectador, segundo Morais, que dá aulas de comércio eletrônico no MBA da Faculdade Anhembi-Morumbi.
Um levantamento feito pelo Yahoo Research mostra que apenas 0,05% dos usuários do Twitter conseguem chamar a atenção.

MULHERES
Nas redes sociais, as mulheres se expõem mais do ponto de vista pessoal. Uma pesquisa feita no ano passado pela Oxygen Media e Lightspeed Research mostrou que 21% das mulheres entre 18 e 34 anos que estão nas redes se levantam à noite só para checar o Facebook.
"Por uma questão cultural, as mulheres são mais abertas e comunicativas. É aceitável que elas mostrem mais os sentimentos", diz a professora Rosa Farah.
A agente de negócios Fernanda Nunciato, 23, está no Facebook, MySpace, Orkut, LinkedIn, Twitter e tem um blog. Checar as redes sociais é a última coisa que faz antes de dormir e a primeira quando acorda. "Tomo o café da manhã vendo minhas páginas pelo notebook", diz.
A top model alagoana Bruna Tenório, que mora em Nova York, também adotou a rede social para se comunicar com amigos e parentes.
"O Facebook é bem útil quando preciso ter contato com amigos, acho mais ágil escrever algo no mural deles, a resposta vem mais rápido do que por e-mail", diz.
Ter muitos acessos no blog, um grande número de amigos no Facebook e de seguidores no Twitter virou símbolo de status, popularidade e prestígio.
Mas frequentar as redes sociais significa também conviver com amigos exibidos e gente mal-humorada e ficar da sabendo de detalhes pouco interessantes da rotina dos outros. "É o zoológico humano, só que visto de camarote", afirma Farah.


RISCO

ALEGRIA VIRTUAL X DEPRESSÃO
A Sociedade Americana de Pediatria lançou uma cartilha alertando pais para o risco de depressão entre adolescentes que usam o Facebook. Fotos de pessoas felizes nas páginas dos outros podem passar uma visão distorcida da realidade para jovens que já têm baixa autoestima.

A 'FAUNA' DO FACEBOOK

O EXIBICIONISTA
Com textos e fotos, procura mostrar como é feliz e bem-sucedido. Fala das viagens que faz, de restaurantes e festas que frequenta e de como sua família é linda e unida. Dá a impressão de que criou um personagem

O VOYEUR
Ele está lá, mas pouco se manifesta. Pode ser por timidez ou porque não quer mesmo se relacionar com ninguém. Observa tudo e não fala nada

O CARENTE
Ele conta seu dia em detalhes. Parece precisar de reconhecimento. Com seus posts que não interessam a ninguém, parece dizer "ei, olhem para mim". Pode ser um solitário e não ser tão desocupado como aparenta

O POPULAR
Ele quer ter 1 milhão de amigos, como na música. Adiciona até quem não conhece direito para atingir sua meta. Provavelmente também é assim no mundo 'real' e mostra esse aspecto nas redes sociais

O BIG BROTHER
Ele escancara sua vida pessoal, relata crises conjugais e reclama do trabalho. Pode não ter noção de que muito mais gente do que imagina está lendo o que escreve ou não percebe que está sendo inadequado

O POLÊMICO
O simples comentário que alguém fez sobre um filme pode virar uma grande dor de cabeça quando o crítico resolve se manifestar. Ele é o mal-humorado, o do contra, que vê em tudo uma teoria da conspiração

O BAJULADOR
O puxa-saco está sempre pronto para dar os parabéns, principalmente se os colegas forem mais ricos e bem-sucedidos do que ele. Diz que os amigos estão lindos, que os bebês são fofos e que está com saudades


Fontes: Rosa Farah, professora de psicologia e Gil Giardelli, professor de marketing

Menos, gente, menos

Quem vai se manifestar nas redes sociais não deve agir por impulso. "Em qualquer mídia virtual, se 20 pessoas replicarem uma informação sua, ela será distribuída para 8.000 pessoas. É como pólvora", diz o professor Gil Giardelli.
"As empresas olham o que você coloca na rede e há até o risco de perder o emprego. A reputação é a moeda do século 21 e isso serve para trabalho, namorada e amigos."
Para a professora Rosa Maria Farah, tudo depende da maturidade emocional do internauta e do conhecimento que ele tem das ferramentas. "Ele pode achar que está falando para um grupo quando uma comunidade inteira tem acesso às informações."
Caso se arrependa do que disse, pode até apagar o que escreveu, mas já terá perdido controle da informação.
"É como a fábula do rapaz que foi repreendido por um sábio por uma fofoca que fez", compara. No conto, o jovem pede uma penitência proporcional ao estrago que fez e o sábio diz que ele deve espalhar as penas de um travesseiro do alto de um morro e descer para recolhê-las.
"Era impossível. Com a informação na internet é a mesma coisa: ela se espalha e não se tem mais controle."
"Diariamente, são levadas ações à Justiça que têm como prova o que está nas redes sociais", afirma o advogado Leandro Bissoli, especializado em direito digital. Ele conta que os problemas mais comuns são o uso indevido de imagens e os crimes contra a honra, como a difamação.
"As pessoas acabam produzindo provas contra elas mesmas", diz. Há casos de pessoas que alegam problemas de saúde para se afastar do trabalho, mas postam fotos de viagens na rede. E há funcionários que acabam registrando situações no trabalho que podem levar à demissão por justa causa.


Vídeo viral mostra estereótipos das redes sociais

Sabe aquele amigo que dá um "curtir" em tudo que publicam no Facebook? E aquele que compartilha o que come, aonde vai e até detalhes, digamos, íntimos?
Os estereótipos das redes sociais estão em um novo vídeo viral das balas Altoids, chamado "Altoids Celebrates the Stars on Facebook" (Altoids celebra as estrela do Facebook): http://vimeo.com/22575745.

ANNA VERONICA MAUTNER - Ode a Gagarin


Quero lembrar o dia em que a humanidade se fez uma. Há 50 anos, uma voz do espaço disse: 'A Terra é azul!'

GENTE "de mais". Tempo de menos. Diversidade "de mais". Tolerância de menos.
Será que o doloroso momento que vamos vivendo é só feito desses ingredientes, nessas medidas?
Está bem difícil afinar tantos "de mais" com tantos de menos. O instinto de sobrevivência nos leva a procurar proteção, evitando excessos.
Só não podemos nos esquecer que precisamos nos acostumar a que os "de mais" e os "de menos" existem, que devemos conviver com eles e, para isso, temos que aprender ou reaprender a nos acostumar. E a gente só se acostuma na base de mais e mais repetições.
Eu, assim como qualquer outra pessoa, só perco o medo do trovão se tiver visto e ouvido muitos pelo correr da minha vida. Sem "muitos", não perco o medo.
Não é vivendo isolado que vou me acostumar a ficar tranquilo no meio de uma multidão.
Preciso ter nela mergulhado, tê-la amado ou tê-la detestado. Mas não é me blindando que vou ficar à vontade no meio de muita gente.
Multidão tanto aconchega quanto ameaça. Para distinguir um estado de ânimo do outro, só me arriscando em muitos mergulhos.
A multidão virtual é bem, mas bem diferente de uma passeata, de um comício ou de uma rebelião.
Quero me lembrar de um dia em que a humanidade se fez uma. Um momento em que todas as consciências bateram no mesmo ritmo.
O mundo todo aplaudiu e sabíamos que era verdade, que tudo aconteceu mesmo.
Foi quando, há 50 anos, uma voz surpreendida, vinda do espaço, aonde até então nós não íamos, disse: "A Terra é azul!" O primeiro homem, pela primeira vez, nos viu de longe e admirou-se: imediatamente nos surpreendeu com sua exclamação.
Podíamos até desconfiar, mas, até então, com certeza, nós só podíamos saber que o céu era azul, quando não estava nublado.
Aí, Gagarin nos congraçou e todos nós vimos e fomos vistos pelos olhos de um só. E, porque assim foi, acreditamos sem pedir confirmação.
Que grande momento foi aquele! Felizes dentre todos somos nós que o ouvimos. Estávamos vivos e tínhamos acesso tecnológico a esse som que veio de longe.
Pela primeira vez, pelos olhos de um, nós todos, de supetão, nos enxergamos.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Setaro's Blog: Sidney Lumet está morto

Setaro's Blog: Sidney Lumet está morto: "Iria colocar uma tarja preta neste blog, mas não soube como fazê-lo. Por causa da morte de Sidney Lumet, um grande realizador america..."

A chacina e o pânico da mídia

Por Raquel Paiva e Muniz Sodré em 13/4/2011

Em seguida à tragédia da escola em Realengo, o advérbio "talvez" tornou-se o protagonista das narrativas jornalísticas sobre o acontecimento. Como na realidade são muito obscuras as causas reais do que se passou, a mídia tenta aplacar a angústia da motivação vazia com um sem-número de explicações oriundas dos discursos competentes (psiquiatras, psicanalistas, sociólogos, articulistas etc.) que, apesar de razoáveis construções argumentativas, redundam inevitavelmente no "talvez". Acreditamos que não poderia ser de outra maneira: a passagem ao ato do serial killer – já muito pesquisado em seu original, o modelo norte-americano – é aquilo que os lógico-matemáticos chamam de "indecidível" quando se deparam com determinados problemas de computabilidade sem saída.

A partir desse vazio, a mídia resvala inadvertida ou deliberadamente para a instilação do pânico social. Na tentativa de exaurir o assunto antes que se esgote o ciclo (geralmente curto) de atenção pública inerente a um noticiário, os jornais esmiúçam detalhes, entrevistam vizinhos e autoridades, reconstroem topograficamente o itinerário da chacina. As revistas semanais carregam nas tintas retóricas do texto, à beira da sub-"literatura" cinematográfica. Na capa da Veja, o título "O monstro mora ao lado" é o pastiche aterrorizante de alguns blockbusters à disposição dos consumidores nas locadoras de cedês.

Pânico – e não medo – é o termo correto para o fenômeno. Embora seja preferencialmente utilizado nas situações descritas como "catastróficas" (terremotos, inundações, incêndios etc.) ou no "estouro da boiada humana" dentro de espaços fechados, ele se espraia, entretanto, por modalidades diversas caracterizadas por intenso terror subjetivo e por temor contagiante de perigo. Não se define, pois, por um estado emocional específico, e sim por uma desestruturação de conduta, que tanto pode ser irruptiva (como quando se tenta escapar de um prédio que desaba) ou latente.

Resposta de marketing

O medo é outra coisa: desde O Leviatã (de Thomas Hobbes), é aquilo que mantém o vínculo pacífico e virtuoso dos homens, de tal maneira que o governante "deve dispor das forças necessárias para suscitar o terror que leve a vontade dos indivíduos à conformidade e à concórdia". Esse é o ponto de partida para a construção do Estado em Hobbes, como nos faz ver o politólogo Carl Schmitt, já no século 20: "O terror do estado de natureza empurra os indivíduos, cheios de medo a juntar-se". Estaria, portanto, como força agregadora, no próprio vínculo comunitário: "Longe de ser sem objeto, esse medo é o próprio objeto do desejo que funda o grupo e o confunde" (Daniel Sibony, psicanalista francês).

A ruptura do vínculo, por outro lado, é ocasionada pelo pânico, especialmente nos instantes ou nos pontos muito sensíveis do corpo social ou quaisquer outras metáforas que liguem o socius a uma idéia de organicidade. Nesses momentos ou nesses lugares, os comportamentos mais bem organizados podem dar lugar à catástrofe do afeto ou a atos sem qualquer sentido coesivo.

Estranhamente, um desses lugares preferenciais para a chacina perpetrada por matadores ensandecidos é a escola. Não como regra absoluta, já que a crônica conhecida do fenômeno lista casos em que o atirador mirou a multidão na rua ou mesmo num cinema, como já aconteceu em São Paulo. Mas o recinto escolar se sobressai tanto em número quanto em narrativas muito conhecidas, a exemplo do filme de Michael Moore sobre o massacre em Columbine (EUA).

Por que a escola? Pode-se inicialmente pensar em jovens vítimas indefesas congregadas num espaço circunscrito. São muitos, porém, outros espaços dessa natureza que, embora repletos de adultos, não os isenta da condição de sujeitos indefesos frente a um homicida que empunha modernas armas automáticas.

Não há, assim, como deixar de pensar na idéia de "santuarização" dos estabelecimentos escolares – em que se priorizam medidas de segurança física – presente em alguns países do dito Primeiro Mundo, a exemplo da França. Em maio de 2009, durante uma reunião com "os principais atores da segurança pública, da Justiça e da Educação nacional", o presidente Sarkozy propôs uma série de providências no sentido de que os estabelecimentos mais "sensíveis" fossem objeto de um "diagnóstico de segurança, a partir do qual serão adotadas todas as medidas necessárias", desde a instalação de portões até dispositivos de videovigilância. Não é apenas isso: as medidas se diversificam ao ponto de habilitar o professor a abrir pastas e mochilas para impedir a entrada de armas, a formar "equipes móveis de guardas", a ter ligação direta com a delegacia de polícia.

Tratando-se de Sarkozy, essa transformação da escola num "santuário" militar é uma resposta de marketing (segundo ele mesmo, uma reação de "bom senso") ao que a mídia francesa chama de "deterioração" do clima nos estabelecimentos de ensino. Mas é um fato – que vem recrudescendo desde meados do século 20 e que suscitou alguns filmes norte-americanos sobre o assunto – que a violência na escola se tornou um problema social em ascensão.

Opção dos editores

O bullying, tema agora recorrente na mídia brasileira, é fenômeno muito antigo, que aumenta na razão inversa do decréscimo de autoridade dos professores. Autoridade não é poder coercitivo, mas o crédito disciplinar advindo de um reconhecimento que Estado e sociedade atribuem à docência. A crise dessa autoridade equivale à crise da educação enquanto processo de socialização dos jovens na direção de uma cidadania reflexiva e criativa. Na escola que apenas "informa" – tendência crescente na privatização do ensino, onde estudante é redefinido como "cliente" – a educação cede o lugar a uma ambígua "instrução", sem qualquer ideal republicano.

Como essa instrução é efetiva junto aos filhos das classes abastadas e tende a "guetificar-se" em face de um mundo externo potencialmente "duro", não se pergunta sobre crise de autoridade ou sobre violência latente. A violência se torna de fato irruptiva e endêmica, segundo algumas pesquisas de caráter científico, nas escolas situadas em zonas "desfavorecidas", onde é grande a amplitude das desigualdades sociais. A violência escolar é, assim, também um fenômeno da exclusão social. Nos países de Primeiro Mundo, isso ocorre principalmente em bairros muito pobres ou em guetos de imigrantes.

Num país como o Brasil, a periferia urbana pode ser um lugar no mínimo angustiante tanto para o professor quanto para o próprio aluno, entregues que estão à ausência de verdadeiros projetos político-pedagógicos e à presença dos números de universalização do acesso à escola, no fundo, slogans para "inglês" (OCDE, Banco Mundial et caterva) ver.

No nível singularizado do fato, a chacina de Realengo tem certamente algo de viral, enquanto modalidade de um contágio mental (ao mesmo tempo patológico e informativo, já que o modelo midiático do terrorista e do serial killer americano colou-se à doença individualizada de um miserável psíquico), mas por isso mesmo é sem objeto e sem causa, no sentido de previsibilidade social dos fenômenos.

Apenas repercutir midiaticamente a superfície narrativa da tragédia é entregar-se à atração do pânico latente e perder a ocasião de refletir sobre o porquê desse excesso de violência ou de crueldade contra o lugar, a escola, sobre a qual os antigos ideais educativos depositaram esperanças enquanto comunidade-máter da socialização republicana. Agarrar-se às metáforas da pura monstruosidade do assassino é a hipocrisia neoliberal dos editores.

RUY CASTRO - Mais cidadãos

RIO DE JANEIRO - Que cena! Eu, um cidadão quase em idade de poder furar fila em bancos e tomar ônibus de graça, sendo vasculhado, com as pernas abertas e os braços em cruz, por uma geringonça eletrônica em busca de objetos suspeitos, na entrada da Feira dos Nordestinos, em São Cristóvão, outro dia. Teria feito mais sentido se o segurança me examinasse na saída, depois da fabulosa buchada de cabrito -esta, sim, um torpedo- que devorei num restaurante da feira.
Quem diria que o ataque a Nova York, em 2001, levaria a que, dez anos depois, uma singela feira popular brasileira se equipasse para detectar pistolas e peixeiras entre seus frequentadores? Mas foi o que aconteceu. Do detector de metais no aeroporto à humilhante porta giratória dos bancos e ao bastão que escaneia os torcedores na rampa dos estádios e ginásios, a paranoia não parou de crescer.
Dali estendeu-se aos shows de rock, à recepção em empresas públicas e privadas (com direito a retratinho compulsório no balcão) e, depois do massacre de Realengo, ameaça ser adotada até pelas escolas de 1º grau. Quando isso acontecer, cada brasileiro, não importa a idade, será visto como um suspeito, um potencial assassino em massa, alguém a não se tirar os olhos de cima durante qualquer evento.
Você dirá que, se essa medida já tivesse sido implantada, o matador Wellington não teria entrado tão facilmente na escola em Realengo. Talvez não. Mas quem o impediria de postar-se num terraço ou janela próximos e fuzilar as crianças quando elas saíssem à rua? E se, um dia, for possível vigiar todo mundo, quem vigiará os vigias?
O fato de o Brasil estar infestado de detectores de metal prova que as armas já são um problema. Eliminá-las não impedirá que, um dia, surja um novo Wellington. Mas nos tornará mais seguros, mais confiantes e mais cidadãos.

Uma mente perigosa - ZUENIR VENTURA

Ainda não dá para mudar de assunto, por mais triste que seja continuar. Primeiro, o choque da chacina; agora, o impacto dos manuscritos revelados pelo "Fantástico". Antes, muitas hipóteses haviam sido levantadas na busca de explicação para a tragédia de Realengo e para a motivação do atirador: fácil acesso às armas, falta de segurança na escola, fanatismo religioso, cultura da violência, vingança. A influência de cada um desses fatores no massacre variava conforme a visão de quem analisava. A isso veio se juntar o que foi alegado ou o que se depreende dos escritos deixados pelo suicida: humilhação, rejeição, a inspiração do 11 de setembro de 2001, a má interpretação do Alcorão, os ensinamentos da internet de como conseguir munições, o transtorno mental, as perseguições ou bullying. Mas como essas possíveis causas não são excludentes, o mais provável é que o fator determinante tenha sido a explosiva conjugação de todas elas, convivendo numa cabeça atormentada e perigosa.
A primeira dificuldade de entender o que significam os textos do assassino é descobrir onde termina a realidade e começa a fantasia, o que é literal e o que é delírio. A ambiguidade está sempre presente. É uma escrita com erros de ortografia, mas com fluência, que grafa "escelência", mas usa termos mais ou menos cultos ("ícone", "meditação", "infiéis"). Uma mente tumultuada, mas que persegue com lógica o seu objetivo - tanto que conseguiu. Numa das cartas, ele denuncia como álibi: "Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo e todos (...) se divertiam com as humilhações que eu sofria." Parece que não há registro disso na Tasso da Silveira, mas um antigo colega de turma de Wellington em outra escola relatou para os repórteres Mariana Belmont e Vinicius Lisboa dois episódios capazes de deixar sequelas no ego de uma personalidade equilibrada, quanto mais no de uma transtornada. No primeiro, "três garotos enfiaram a cabeça dele no vaso sanitário". No segundo, "vi jogarem o cara de cabeça para baixo dentro de uma lata de lixo e tamparem". Segundo a testemunha, ele teve que balançar a lata e derrubá-la para sair. Não protestou, preferiu armazenar a raiva.
Nenhum desses supostos abusos justifica o que ele fez dez anos depois, e contra outra escola, até porque há ocorrências diárias de bullying em todo o mundo, e as chacinas são exceção. Mas podem ter contribuído. Assim, da mesma maneira que se pensa em promover o desarmamento, seria a hora de repensar a questão da violência interna nos colégios. Fala-se muito em detector de metais na entrada, em guardas no portão, em aumentar enfim o policiamento. Fala-se pouco em combater, por meio de um controle rígido com inspetores e câmeras, esse provedor de ódio que é o bullying.

terça-feira, 12 de abril de 2011

CARLOS HEITOR CONY - O tempo do tempo

RIO DE JANEIRO - O herói da batalha de Maratona precisou correr 42 quilômetros para transmitir a notícia da vitória numa guerra. Morreu logo após ter cumprido a tarefa. A descoberta (ou o achamento) do Brasil levou mais de dois meses para chegar ao conhecimento do rei Manuel, dito o Venturoso. Hoje, com a internet em funcionamento, Manuel seria venturoso antes do tempo, ficaria sabendo da façanha de Cabral na hora.
A instantaneidade da notícia é uma das conquistas mais fantásticas da humanidade. Cem anos após a Proclamação da nossa República, em 1889, havia brasileiro lá pelo setentrião acreditando que o Brasil ainda era governado por um d. Pedro qualquer, provavelmente d. Pedro 3º ou 4º.
Consta que no Japão, 30 anos depois de Hiroshima, apesar de seu avançado estágio tecnológico, havia soldado do Mikado escondido nas matas pensando que a Segunda Guerra Mundial ainda não acabara. Há poetas que ainda fazem sonetos na ilusão de que serão recitados na Confeitaria Colombo.
Outro dia, a bordo de um avião doméstico, o piloto informou, com voz aveludada e calma, que o tempo estava ótimo em toda a rota. Nem havia comunicado integralmente a boa notícia, o aparelho começou a sacudir como se estivesse com mal de Parkinson.
Quando passou a turbulência, uma das maiores que já atravessei, o piloto explicou que os computadores estavam certos nas duas ocasiões, a do tempo bom e a do tempo ruim. Apenas -disse ele- o tempo fora mais rápido, não dando tempo para que a rede eletrônica de bordo e das estações meteorológicas no caminho pudessem fazer a correção do tempo.
Repeti a palavra "tempo" várias vezes porque acredito que seja o único fato e fator inamovíveis da nossa vida. Não precisa de notícia para existir. O tempo não precisa de tempo para ser tempo.

domingo, 10 de abril de 2011

CARLOS HEITOR CONY - Salto sem rede

RIO DE JANEIRO - Irritado com os meus comentários sobre a linguagem infantojuvenil que ainda predomina na mídia eletrônica, um sujeito me desancou num e-mail em que me aconselha a jogar dominó e buraco, deixando o universo virtual para o povo eleito no qual ele se inclui.
Não tenho nada contra o dominó e o buraco, mas não sou vidrado nesses tipos de passatempo. Tampouco me emociono com o jogo de paciência que vejo muito cara fazendo nas salas de espera dos aeroportos, abrindo seus notebooks para que todos o admirem na função.
Continuo achando que a informática vive sua pré-história, uma era jurássica sem articulação e, muitas vezes, sem qualquer outro sentido.
De qualquer forma, ela é irreversível e fatalmente encontrará sua linguagem, não será um mero serviço, mas um fator de enriquecimento humano e espiritual. Será útil para encomendar pizzas (que nos chegarão lerdas e frias), mas sua transcendência superará a atual contingência.
Outro dia, uma moça perguntou, por e-mail, se eu já tinha namorada virtual. Deixou no ar uma insinuação, quase se oferecendo, e eu quase aceitei. O universo virtual é mais concreto do que se supõe. Ele existe ao redor de nós, como um monstro ou um anjo, dependendo do lado pelo qual o abordamos.
O homem moderno foi condenado a ser manipulado pelo excesso de comunicação, a oferta maior do que a procura. O mundo virtual é um salto sem rede no espaço. Uma bobeira pode terminar em tragédia.
Na semana passada, um homem de 23 anos invadiu um colégio em Realengo, aqui no Rio, matou mais de dez estudantes e feriu outros tantos. Era um introvertido, um psicopata que passava a maior parte de seu tempo tripulando uma nave absurda no espaço virtual. Um espaço de fantasia que não o fez mais feliz nem mais homem.

Cem dias

Governo Dilma conserva as linhas gerais do antecessor, mas faz correções de rumo; começo é auspicioso, apesar de equívocos e omissões

Ao chegar hoje à marca simbólica dos cem dias, o governo Dilma Rousseff já permite discernir o estilo da presidente e os rumos que pretende imprimir à administração. Como era de prever, a tônica tem sido a continuidade em relação ao governo anterior.
Isso não se deve somente ao fato de a candidatura Dilma ter prosperado no bojo da imensa popularidade do então presidente Lula. Qualquer sucessor seria levado a manter a orientação geral de um governo que, merecendo críticas pertinentes, apresentou um saldo muito favorável em suas políticas econômica e social.
São notórias, ao mesmo tempo, as correções de rota. Não é apenas a conduta mais contida que contrasta com a exuberância, nem sempre adequada, do antecessor. Se Lula já havia diluído o teor dogmático do programa petista, cancelando na prática a maioria de seus clichês, Dilma parece fazer um governo ainda menos ideológico, em que a ênfase está no gerenciamento dos problemas.
Assim, após um ciclo de gastança, o governo puxa as rédeas da despesa pública, ao determinar corte de R$ 50 bilhões no Orçamento e adotar uma política dura, ao menos no curto prazo, em relação ao salário mínimo. Fazenda e Banco Central, atuando com mais harmonia do que no passado, parecem devidamente atentos ao dilema de conter uma inflação renitente sem empregar medidas que reduzam o crescimento a menos de 3% ou 4% ao ano.
A política externa recuperou o equilíbrio perdido. Sem renunciar à desejável afirmação da autonomia nacional e ao pleito de mais equidade nas relações entre os países, abandonou-se a atitude seletiva para com valores internacionais, tais como os direitos humanos, que nos aproximava de regimes autocráticos e gerava desnecessário atrito com os países desenvolvidos. Estes precisam ser confrontados não em torno de fantasias ideológicas, mas de contenciosos concretos, que não faltam.
Ciente de que, apesar da vitória indiscutível, metade do eleitorado não sufragou seu nome, Dilma Rousseff tem procurado ampliar apoios e reduzir arestas com adversários. Isso implica cultivar a classe média emergente e seus valores de êxito pessoal. Implica também usar o formidável poder do Executivo federal para manter vasta gama de partidos e oligarcas sob controle do governo. Sem alterar os péssimos costumes políticos do país, o Planalto até agora não deu mostra de abusar deles.
Mas nem tudo são rosas. Há dúvidas sobre a capacidade de implantar a pouca disciplina fiscal a que o governo se propôs. Preocupam tanto a exagerada valorização do real, que castiga a indústria e as exportações, como o risco de a inflação escapar ao controle por erros de dosagem em seu combate. E o governo emite sinais contraditórios, como no repasse deR$ 55 bilhões ao BNDES, que expande o crédito e estimula a demanda, contribuindo para a pressão inflacionária.
O espírito gerencial por vezes se mostra abusivo, como no dirigismo estampado nas recentes interferências no comando da Caixa Econômica Federal e da Vale. Ao mesmo tempo em que os investimentos em infraestrutura são elevados, com toda razão, a prioridade máxima, o governo tarda em organizar as oportunidades de parceria entre empresas e poder público capazes de viabilizar as inversões. Não é segredo que o país está atrasado na preparação de eventos como a Copa do Mundo (2012) e os Jogos Olímpicos (2016). Indefinições pairam sobre obras controvertidas, como o trem-bala a ligar Campinas ao Rio, e projetos polêmicos, como a reforma do Código Florestal.
Mais preocupante, talvez, é a falta de um programa de governo que vá além da gestão cotidiana. Receou-se na campanha que o esmagador predomínio governista no Congresso Nacional ensejasse alguma aventura autoritária; pergunta-se hoje o que a presidente pretende fazer com tamanha maioria. As reformas previdenciária e tributária continuam à espera de um governo disposto a realizá-las. O gasto público precisa ser contido a longo prazo e a taxa de investimento precisa crescer. A educação pública de qualidade ainda é uma miragem.
Apesar do início auspicioso, não faltam, como se vê, lacunas e desafios.

O massacre e a filosofia - RENATO JANINE RIBEIRO

O massacre do Realengo deixa-nos, todos, estupefatos. Por que ele aconteceu? A filosofia tem algumas coisas, até conflitantes entre si, a dizer a respeito.

A primeira reação, a mais popular, consiste em achar que foi coisa do Mal - não necessariamente do diabo, mas de algo mau que haja no mundo. No pensamento mais sofisticado essa visão é minoritária, mas existe. Pois é difícil negar a presença de algo mau na vida. Contudo a principal tendência hoje, na filosofia como nos saberes que lidam com a sociedade ou a psique, é considerar que o mau é produzido, é resultado. Vejam o que se conta do assassino: uma pessoa com sérios problemas psíquicos, talvez de origem neurológica, que se agravaram pelas condições em que vivia e por, aparentemente, não ter sido tratada. Seus atos são maus, mas com adequado tratamento talvez ele pudesse ter-se socializado.

O mal não seria algo originário, mas efeito de condições anteriores. Há uma vasta gama de possíveis causas para o crime. Mas não interessa aqui qual explicação se dê. O que importa é que se deem explicações, talvez algumas delas genéticas, mas que terão sido ativadas por razões de convívio (ou sua falta) e por carência de tratamento especializado. Ou seja, o mal é produto de algo que, em si, não é mal. Não haveria "o Mal", menos ainda o demônio. Há problemas de ordem humana e que o homem, isto é, a sociedade, pode resolver.

Essa visão hoje predomina, nas ciências como na imprensa. A mídia procura especialistas que expliquem. Mais que isso, explicando o horrível, espera-se que ele não seja replicado. Como consegui-lo? Uns falam em detectores de metais e em guardas nas escolas, o que é pouco viável. Eu pensaria em mais atendimento social a pessoas em perigo, como era, até o crime, o futuro assassino. Choquei-me ao ver, 12 horas depois da chacina, a escola cheia de policiais, a essa altura desnecessários. O Realengo precisava, então, era de centenas de assistentes sociais, de psicólogos, de gente que pudesse ajudar as famílias e suas crianças a lidar com o trauma, que não afetou somente os parentes dos mortos, mas a comunidade inteira - e o Brasil também, porque nunca imaginamos nossas crianças como alvos de ataque tão perverso.

Essa visão tem, ainda que poucos o saibam, remota origem platônica. Platão entendia que só se faz o mal por se ignorar o Bem. A visão do Bem, o seu conhecimento, é tão forte que torna impossível praticar o mal. Ou seja, voltando a nossos estudiosos da sociedade e da psique, e a nossos proponentes de políticas públicas, todos poderão conviver razoavelmente se as condições que deflagram a agressão forem devidamente tratadas. Mas isso não é fácil. Embora saia mais caro construir cadeias e contratar policiais do que erguer escolas e apelar a especialistas no atendimento humano, a tendência é preferir reagir ao choque a prevenir males. Até porque, quando males ocorrem, são visíveis; quando são prevenidos, nunca se sabe deles. A prevenção do crime por suas causas não é notícia.

Vamos a uma terceira visão filosófica dessa chacina. Agora, o horrível é a impiedade. Como pode alguém massacrar inocentes? Ora, há um grande exemplo histórico nessa direção, que foi o nazismo. Muitos indagaram como a Alemanha, país tão civilizado, fora capaz de matar 6 milhões de judeus, bem como ciganos, em menor número, e eslavos, mais numerosos. Há explicações: a humilhação do Tratado de Versalhes, imposto aos alemães (em 1919, após a 1.ª Guerra Mundial), um antissemitismo presente em várias camadas da população, o autoritarismo prussiano. Mas não bastam. Outras culturas tiveram elementos comparáveis, separados ou reunidos, e nem por isso realizaram holocaustos. Daí que vários estudiosos digam que, em última análise, a análise não consegue explicar o horror. O que se poderia dizer é que pouco resta a dizer, sobre o Holocausto. Os testemunhos são mais poderosos do que as explicações. As causas e razões apontadas ficam muito aquém do sofrimento gerado. Daí que se possa e se deva contar o que aconteceu, mas sem jamais entender como tanto mal pôde ser feito pelo homem - ou tolerado por Deus, se Ele existe. Se o horror é inexplicável, que seja, então, narrado: que, pelo menos, não se torne inenarrável. E sabemos que contar o horror pode aumentá-lo, mas também pode aliviá-lo.

O curioso é que a piedade é um sentimento relativamente recente na vida social. Seu grande defensor é Jean-Jacques Rousseau, que, no século 18, afirmou que o sentimento mais básico no homem é a piedade, a comiseração, a capacidade de sofrer junto ("com+paixão") com qualquer vivente que também sofra. Rousseau talvez pensasse que descrevia o homem como ele é, e nisso pode ter errado. Por milênios, um dos espetáculos mais prestigiados - pelos pobres e pela elite - era ver a lenta agonia dos condenados, em público. Mas depois de Rousseau isso muda. Basta notar que a execução deixa de ser lenta para ser rápida, sai da praça pública para o interior das prisões e, finalmente, é suprimida em quase todos os países do mundo.

No entanto, quase 200 anos depois de Rousseau, a pátria de Goethe e Kant chacinou milhões. Quinze anos atrás, hutus massacraram tutsis. E assassinos chacinam crianças. Falta piedade. O que dizer sobre isso? Temos a explicação pelo Mal, a explicação pelas causas sociais e psíquicas e a impossibilidade de explicar. Pessoalmente, mas sem conseguir descartar a primeira, eu oscilaria entre as duas últimas - apostando em mais políticas públicas, agora focadas talvez em impedir que pessoas que sofrem venham a causar sofrimento inenarrável a outras, e também no respeito de quem sente que, se nesta altura as razões não consolam das perdas, as palavras, pelo menos, podem não ser vãs. Isso se elas ajudarem a recuperar os sobreviventes - do Realengo e, pela televisão interposta, do Brasil inteiro -, que precisam voltar a viver com esperança e sem medo.

PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP