sábado, 30 de abril de 2011

Cidadão Kane: Ainda revolucionário e genial

Murilo da Silva Navarro

70 anos após a sua primeira exibição em maio de 1941, o filme Cidadão Kane, do cineasta norte–americano Orson Welles, ainda fascina diretores de cinema, críticos, escritores e acadêmicos. Em todos esses anos o filme continua exibindo pujança narrativa, originalidade técnica e beleza visual que o mantêm no ápice das listas de filmes mais importantes de todos os tempos.

Quando Orson Welles dirigiu, produziu, protagonizou e foi co-roteirista de Cidadão Kane, ele tinha 25 anos e já havia conquistado fama no rádio. Em 1939 Welles tinha feito história ao transmitir um programa de rádio que simulava a invasão dos Estados Unidos por marcianos. Sua dramatização para A Guerra dos Mundos, de H. G. Welles, foi tão realista que aterrorizou milhares de ouvintes americanos.

A notoriedade adquirida nesse episódio, juntamente com o sucesso obtido pelas adaptações teatrais de peças de Shakespeare, permitiu a Orson Welles conseguir um contrato com o Estúdio Cinematográfico R.K.O, que lhe oferecia condições excepcionais para a época. Nenhum outro diretor tinha até então obtido tamanha liberdade para o desenvolvimento de um filme. A R.K.O concedeu-lhe independência total para formar a equipe técnica do filme. Ele contratou uma equipe de primeira linha, liderada pelo inventivo fotógrafo Gregg Toland. Convidou para o elenco Joseph Cotten e Agnes Moorehead, atores do seu grupo Mercury Theater e a trilha sonora ficou a cargo do genial maestro Bernard Herrmann.

Welles escolheu um tema explosivo: roteirizou, juntamente com Herman J. Mankiewicz, a vida do magnata da mídia William Randolph Hearst, considerado o pai da imprensa sensacionalista na América do Norte.

Mantido em segredo pelos estúdios, o projeto recebeu a denominação de R.K.O 281 (era esse o número do palco do estúdio onde o filme foi rodado no segundo semestre de 1940). Durante as filmagens, Welles manteve-se discreto e reticente a respeito das semelhanças entre seu personagem, Charles Foster Kane, e Hearst, chegando mesmo a vazar para a revista Stage, em dezembro de 1940, uma sinopse sobre o filme, na qual Kane era apresentado como mais uma encenação de Fausto, de Goethe.

Ao descobrir que o filme era baseado em sua vida, Hearst travou uma feroz batalha contra Welles, com o objetivo de destruir o filme. Usou, para isso, seus jornais, revistas e rádios e sua influência em Hollywood. Ameaçou revelar em seus jornais os escândalos da elite de Hollywood caso os negativos do filme não fossem destruídos (um em cada cinco americanos lia os jornais de Hearst).

As pressões do império Hearst logo se estenderam ao resto da indústria do cinema, o que levou Louis B. Mayer, o chefão da Metro, a reunir-se com diretores de outros estúdios e, em seguida, propor a George J. Schaefer (Diretor da R.K.O) a destruição de todas as cópias e do negativo de cidadão Kane, mediante um pagamento que , no mínimo, cobriria o custo total da produção. Schaefer recusou a oferta, aceitando, porém, extrair do filme cenas ou referências diretas a Hearst e sua amante, de comum acordo com Orson Welles.

Após a estréia no R.K.O Palace da Broadway, no dia 1º de maio de 1941, o filme de Welles foi atacado pela mídia controlada por Hearst e teve uma acolhida fria do público, tendo os seus produtores arcado com um prejuízo de US$ 160 milhões. O filme concorreu ao Oscar e foi indicado em nove categorias, mas boicotado, ficou somente com o de melhor roteiro.

Somente com o fim da guerra é que o filme obteve o reconhecimento internacional, através de estudos realizados pelo criador do Cahiers Du Cinema, André Bazin e por críticos e pesquisadores americanos e franceses. A votação, realizada a cada 10 anos pelo British Film Istitute, que desde 1962 elege Cidadão Kane como o filme mais importante de todos os tempos, contribuiu para elevar o filme ao status de obra mais importante da arte cinematográfica americana e marco- zero do Cinema Moderno.

Mesmo com o filme ganhando adeptos ao longo do tempo, um artigo publicado pela crítica de cinema Pauline Keal, em 1971, gerou polêmica ao afirmar que as inovações contidas no roteiro do filme devem-se mais a Mankiewicz do que a Welles. Essa tese tinha muitos furos e foi combatida e refutada por vários historiadores, principalmente pelo crítico e cineasta Peter Bogdanovich. “Sem as mão de Welles o roteiro de Mankiewicz tornar-se-ia um emaranhado de situações”, afirma Bogdanovich.

A história do cinema mostrou que a obra prima de Welles foi um hiato fundamental que gerou vocações de futuros diretores de cinema, impôs soluções de mise-en-scène até então inéditas e ainda hoje é um ponto de referência na arte cinematográfica.

Cidadão Kane sobreviveu a todas as dificuldades e mantém o frescor revolucionário e contemporâneo de sua linguagem. Influenciou cineastas como Stanley Kubrick, Martin Scorsese, David Lean e Wood Allen (que o homenageou no filme Zelig -1983). O diretor francês François Truffaut era seu admirador. “Nenhum outro filme estimulou tantos jovens a virar cineastas”, escreveu e resumiu o filme como sendo “um hino à juventude e uma meditação sobre a velhice, um ensaio sobre a vaidade e um poema sobre a decrepitude.”

Outra curiosidade no filme é que a história do personagem Charles Foster Kane guarda semelhanças também com dois outros magnatas da comunicação.. Silvio Berlusconi na Itália e Roberto Marinho no Brasil, que inclusive ganhou um documentário produzido pela BBC de Londres intitulado “Beyond Citizen Kane”

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