sábado, 29 de janeiro de 2011

‘Zé Colmeia’, o filme: fique longe do urso

Os últimos dias de janeiro são um período de risco. Quem teve férias começa a se desesperar com o final delas, e quem não teve pode se deixar contaminar pelo clima de descontração e tentar fazer um programa diferente. É nessa hora que surgem ideias arriscadas, como tomar chuva em um parque, passar horas na estrada para se espremer em meio metro de areia… ou ir ao cinema e assistir a Zé Colmeia. Embora os riscos da chuva e das praias lotadas sejam conhecidos por todos, pouco se fala sobre os perigos de Zé Colmeia. Isso precisa mudar.

Zé Colmeia é o tipo de filme que costuma ser ignorado por revistas e jornais. Em temporada de Oscar, francamente, há assuntos mais interessantes – e não há espaço para tudo. Mas, como o filme conquistou o terceiro lugar nas bilheterias brasileiras, vale fazer um comentário. Um comentário que pode ser resumido em uma palavra: fuja.

Quem tem mais de vinte anos deve se lembrar, ao menos vagamente, dos desenhos de Zé Colmeia. Criado pelos estúdios Hanna-Barbera em 1958, o personagem destaca-se dos ursos comuns por seu chapéu, sua gravata e sua inteligência acima da média, usada com o nobre propósito de roubar cestas de piquenique no parque Jellystone.

Cinquenta e dois anos e duas reformas ortográficas depois, Zé Colmeia perdeu o acento e a dignidade. O novo filme do urso, que mistura animação digital com atores e cenários reais, traz de volta os principais personagens da franquia. Lá está Catatau, fiel companheiro de Zé em suas trapalhadas. O Guarda Chico virou Guarda Smith, desprezando a tradução original, mas continua firme na missão de impedir que a dupla de ursos quebre as rigorosas regras do parque. Tudo igual. Só faltou a graça.

Não é difícil imaginar por que a ideia de adaptar Zé Colmeia para o cinema daria errado. Em um desenho animado de meia hora, a história de um urso que gosta de roubar cestas de piquenique é o bastante para prender a atenção do espectador. Em um longa-metragem de 80 minutos, é pouco. Os roteiristas perceberam isso. E decidiram solucionar o problema com uma das decisões narrativas mais equivocadas da história das adaptações caça-níquel: deixar Zé Colmeia em segundo plano.

Para a surpresa dos espectadores, o personagem principal de Zé Colmeia não é Zé Colmeia, mas sim o Guarda Smith. Durante uma hora e vinte, acompanhamos as inquietações desse personagem riquíssimo em sua jornada para salvar o Parque Jellystone das garras de um prefeito corrupto, que quer vendê-lo para arrecadar dinheiro e comprar votos. O desafio de Smith é mostrar à população que a natureza é importante e o parque deve ser mais visitado. (Regra número 1 da animação caça-níqueis contemporânea: não há desenho que não fique melhor com lições de sustentabilidade.)

Em sua nobre tarefa, Smith conta com a ajuda de Rachel, uma jornalista que vai ao parque para filmar um documentário. Não é preciso dizer que Smith se apaixona por Rachel. “Eu me sinto como uma árvore se raiz”, diz o guarda. Tocante. Seria deselegante contar o final do filme… mas você já sabe o final do filme. (Regra número 2 da animação caça-níqueis contemporânea: todos querem ver um beijo do casal de protagonistas, não importa o quão desinteressante ele seja.)

Depois de alguns percalços, Smith decide que sua única escolha é se juntar ao seu arqui-inimigo Zé Colmeia e esquecer as brigas por cestas de piqueniques em nome de um interesse comum. (Regra número 3 da animação caça-níqueis contemporânea: a moral da história, invariavelmente, é que devemos aceitar as diferenças e aprender com elas.)

Diante dessa trama palpitante, os planos mirabolantes de Zé Colmeia para roubar cestas acabam ficando de lado. São duas ou três cenas – as mais engraçadas do filme, embora não se comparem ao desenho original. De resto, o personagem protagoniza uma série de piadas sem graça ou de mau gosto, sob medida para confundir o público infantil e provocar constrangimento nos adultos. Para completar, há um número musical que só deve agradar à plateia americana: o público brasileiro, felizmente, não se rendeu aos encantos de “I like big butts and I cannot lie”.

“Mas o filme foi feito para crianças”, alguém pode argumentar, como se a imaturidade do público justificasse a preguiça dos roteiristas. (Regra número 4 da animação caça-níqueis contemporânea: não se deixe levar pelos boatos – crianças inteligentes são tão raras quanto dublagens de boa qualidade.) É uma noção antiquada. Desde Toy story e Shrek, as animações de sucesso têm se destacado por aliar o visual encantador a roteiros inteligentes, capazes de entreter o público infantil e conquistar também os adultos. Filme infantil deixou de ser sinônimo de filme bobo. Up – altas aventuras não me deixa mentir.

Uma criança pode até dar uma ou outra risada (de leve) com Zé Colmeia, mas já tem inteligência e senso crítico suficientes para perceber que a diferença brutal de qualidade em relação a Toy story 3, indicado ao Oscar de Melhor Filme. Ou Enrolados, da Disney, que ainda está em cartaz e continua fazendo sucesso. Para quem quiser levar uma criança ao cinema, é uma boa escolha. E se os adultos estiverem atrás de uma dose de nostalgia, melhor esquecer os cinemas. É mais seguro alugar um DVD do Zé Colméia. Com acento – e com muito mais graça.

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