quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A Rede Social | Omelete entrevista David Fincher

O vencedor do Globo de Ouro fala de A Rede Social, novos projetos, suas obsessões e seu estilo de filmar


Steve Weintraub
18 de Janeiro de 2011

No domingo, David Fincher levou o Globo de Ouro de melhor diretor e o seu filme, A Rede Social, foi escolhido o melhor drama de 2010 pela Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood. É o primeiro passo para uma possível coroação no Oscar, no dia 27 de fevereiro.

Normalmente avesso a entrevistas, Fincher conversou com os nossos parceiros do Collider por ocasião do lançamento do Blu-ray de A Rede Social nos EUA. Falou do processo de produção do filme sobre a formação do Facebook, de projetos futuros, da sua maneira de trabalhar e também dos seus questionamentos.

Pra quebrar o gelo, o que você achou do filme O Discurso do Rei?

Fincher: Quer saber? Eu vi não tem muito tempo e achei lindo.

Concordo. Os dois filmes que todo mundo está comentando são O Discurso do Rei e o seu, A Rede Social...

Cisne Negro é muito bom.

Concordo, eu achei o filme incrível.

E eu amei O Inverno da Alma, achei maravilhoso.

Você ficou surpreso com a aclamação do seu filme? Por que você nunca sabe, é uma história tão moderna e parece que os críticos e a audiência realmente gostaram. Você estava preparado para isso?

Não, eu não estava preparado para isso e também não estava aqui. Quer dizer, terminamos o filme umas três, quatro semanas antes do Festival de Cinema de Nova York, e embarquei pra Estocolmo. Quando voltei, já comecei a trabalhar novamente, então eu meio que não tive chance de aferir sobre essas coisas. Mas é sempre bom ser bem recebido.

Jesse Eisenberg me contou que você lê muito, que está por dentro das coisas. Isso é verdade? Você lê o que as pessoas dizem na Internet?

Não. Quer dizer, acho que quando você está promovendo um filme, você tem que ler. Eu certamente estava ciente de que quando fomos à [empresa especializada em divulgação de filmes de] Mark Woolen para a produção do trailer, sabíamos que teríamos um problema. As pessoas achavam que estávamos fazendo um filme sobre tecnologia. Mark é a melhor pessoa para fazer um trailer obtuso com a informação que ele tem, então eu disse a ele "não estou te dando uma tarefa imensa, você só precisa fazer um trailer que faça sentido e mostre porque qualquer pessoa faria um filme desse tipo". Então eu estava ciente de que, na época, tinha muita gente falando "filme sobre o Facebook? Como assim?". E honestamente, quando eu li o roteiro, eu realmente não tinha noção... Minha filha tem Facebook, então eu até já tinha visto, mas não tinha noção do que se faz lá. E aí, quando eu terminei de ler o script, eu tinha ainda menos noção do que a tecnologia em si fazia, tanto quanto estava ciente da animosidade que houve por trás de seu desenvolvimento. Então eu até tento estar ciente dos obstáculos que se relacionam à percepção, se você está tentando jogar contra ou a favor, ou do que a adiência precisa saber. Mas uma vez que o filme está pronto, você tem que ler tanto as críticas boas quanto as ruins. Eu meio que penso nisso como se eu fosse um jogador de futebol: você leva a culpa toda quando joga mal, mas também é aclamado quando joga bem. Eu não tive muito tempo de ficar indo atrás disso quando estava em Paris e Londres divulgando o filme. Agora eu penso que deveria ter feito mais disso, mas não fiz.

Entendo. Como o filme finalizado é comparado a aquilo que você primeiramente pensou, antes de começarem as filmagens?

É bem parecido. Com um filme tão específico a um tempo e um lugar, queríamos capturar a essência de Harvard. Queríamos capturar o sentimento do que é ser um calouro nos dormitórios de Harvard, mesmo não sendo permitido filmar lá.

Se posso interromper, queria dar seguimento a isso. Adoro seu filme Zodíaco, em que tudo é historicamente reproduzido obsessivamente. Sei que deve ter machucado não ser permitido filmar em Harvard em A Rede Social, mas isso chegou a ser um problema para vocês?

Não tem problema, e eu acabei aprendendo isso com a experiência [de Zodíaco]. Existia uma informação no filme que, não por culpa do autor, não foi aceita por muitos "zodiacologistas". Muitas pessoas achavam que a visão do [cartunista Robert] Graysmith era... que ele era louco, ou coisa do tipo. Mas esse é o filme que estávamos fazendo [fiel ao ponto de vista de Graysmith]. Então fizemos algumas pesquisas desse ponto de vista. Essa é a história que vamos contar, a história de Dave Toschi, a história de Robert Graysmith, a história de Arthur Leigh Allen. Fazer todo esse trabalho, tentando reverter o máximo de problemas que isso pudesse trazer, poderia tanto desfazer tudo aquilo que Graysmith havia construido ou apoiá-lo. E aí você acaba com coisas do tipo "não podemos incluir isso. Isso é muito interessante e dramático, mas não temos dados suficientes para incluir em nossa narrativa". Então, apesar de termos três ou quatro capítulos de Zodiac Unmasked, nós não podíamos utilizá-los. Em relação ao que Aaron Sorkin [roteirista de A Rede Social] estava fazendo... Acho que o mais depressivo sobre não ter a cooperação de Harvard é... Com uma câmera 2000 ASA e uma equipe muito pequena, se eles dessem acesso ao que tem por trás das paredes por lá eu poderia fazer esse filme com muito menos dinheiro e mais eficiência. Mas aí você pensa "certo, não vamos poder fazer isso, então temos que achar outro lugar com a arquitetura parecida. Agora estamos em John Hopkins com uma unidade móvel, mas não podemos usar os salões de jantar, então temos que gravar na University of Southern California".

Então acabamos tendo que juntar coisas que estão a centenas de quilômetros de distância ou que estão perto dos estúdios de som onde vamos filmar. Gostariamos muito de ter a autenticidade e ter sido capazes de filmar nos dormitórios de Kirkland, mas não existia essa possibilidade, então você meio que fica com a impressão "será que é meu trabalho recriar tudo até o milionésimo detalhe? Ou será que meu trabalho é contar uma história por cinco ou seis pontos de vista diferentes?". Passei por isso em Zodíaco e tinha vantagens: uma delas foi que eu cresci na área e me lembro do que eu senti ao ver as imagens das crianças nos ônibus sendo levadas para a escola, ser uma daquelas crianças e lembrar de como eram as cozinhas nas casas dos meus amigos, e de como eram os carros, eu tive o benefício de saber... O sentimento é importante, mas os detalhes não. [Já com A Rede Social] eu nunca estive em Harvard, eu nunca fiz faculdade, então eu não sei como é morar em um dormitório. Quer dizer, eu estava mais interessando em outros tipos de fraternidades do que os outros moleques da minha idade porque eu já sabia que queria ser da indústria cinematográfica. Eu ainda tenho alguns desses sentimentos guardados, então eu posso me relacionar com todas essas coisas, apesar de eu não ter a menor ideia de como escrever um código HTML ou coisa do tipo. Eu posso olhar pra esse tipo de coisa e pensar "eu acho que essa é uma parte importante da trama, mas eu também sei que ficar vendo pessoas digitando em computadores é bem chato, então temos que passar por essa parte do filme o mais rápido possível".

Tem uma cena no filme que eu entendi como você montou, vendo os extras do DVD. É quando Jesse está correndo pela Harvard Square, você colocou três câmeras no telhado do prédio do outro lado da rua. Você chegou a pensar que os policiais fossem pegar vocês? Ou você pensou "vamos que isso pode dar certo"?

Não, você nunca gasta o tanto de dinheiro que nós gastamos sob o risco de que a polícia pode lhe entregar uma multa e pedir que todo mundo vá embora. É tudo risco calculado. Você sempre pensa "será que alguém de Harvard realmente se importou que estávamos do outro lado da rua? Provavelmente não".

Eles estavam te vendo do outro lado da rua? Eles sabiam que vocês estavam lá?

Não, não. Nós tivemos que pegar uma permissão com a prefeitura para colocar uma câmera [de resolução] 5K no telhado que poderia possivelmente agredir os olhos das pessoas, tudo isso por ser uma questão de segurança. Então entre as filmagens da cena, enquanto Jesse voltava ao seu ponto inicial, nós tinhamos que colocar algo em frente à luz, ou até desligá-la. E temos que pensar no tráfego na rua. Não somos donos daqueles veículos. E vem a questão: é 2003 naquela cena e tem carros passando pela rua que são de 2007 e 2009. Não dá pra parar tudo e dizer "parem, não queremos nada que seja pós-2003 na rua!".

[risos] Eu nem cheguei a pensar nisso.

Também estamos passando por isso com Girl With the Dragon Tattoo. Os livros [da trilogia Millennium] foram entregues em 2004, então ele [o autor Stieg Larsson] provavelmente os criou por volta de 2003, o primeiro foi publicado em 2005, o iPhone é lançado em 2007, então todos aqueles aplicativos disponíveis para iPhone são provavelmente uma coisa a que [Lisbeth] Salander teria acesso, pelo fato de ela ser meio viciada em Mac. Então você se pergunta "onde traçamos a linha?". Decidimos que tudo seria pré-iPhone, porque se não eles teriam bússola, seriam capazes de saber como estava o tempo. Então quer dizer, você tem que tomar uma decisão que é arbitrária.

Nos extras, eu descobri que vocês filmaram 268 horas de material para A Rede Social. Obviamente você não senta por 268 horas e assiste a tudo. Você é conhecido por fazer várias tomadas da mesma cena. Quando você está no set, vamos dizer que você fez 40 tomadas ou coisa do tipo, você já sabe que as tomadas 38 e 39 são as boas ou você entrega todo esse material para alguém, seu time de edição, e pede que eles assistam a tudo e digam o que acharam?

Não, é como se você estivesse criando uma criatura da medula pra fora. Você começa do centro de cada membro, então você decide "bem, nesta cena, o importante é a intenção". A medula é como a intenção da coisa. Mas depois, tudo isso precisa de pernas bem potentes, então precisamos de ossos maiores aqui. E agora vamos precisar de muito mais músculo nesta parte... Você constrói o que cada cena tem que cumprir. No ensaio, você pensa "o que está sendo feito em termos da psicologia de onde as pessoas estão sentadas e como eles devem ser apresentadas?". Quer eles estejam na linha direta de visão ou não, você ensaia baseado nisso e depois você decide na cobertura. Baseado na cobertura - e eu tenho algumas regrinhas - eu quero que as coisas sejam o mais visível possível. Eu quero poder ver... Se eu pudesse ver tudo num master [a tomada de segurança, que dá conta de uma cena inteira para não haver perigo de faltar nada] e fosse convincente o suficiente, isso seria ótimo. Isso simplifica meu dia, simplifica a vida dos atores quando você pode focar nisso. Mas pelo mesmo motivo, eu não quero ser forçado a fazer cobertura. Eu quero que seja bom por todos os ângulos e eu preciso conseguir o maior número de matizes que eu quero por cada ângulo. Então 40 tomadas é... Novamente, há uma hipérbole quando se trata disso e eu acho que nós fazemos por volta de 20, 23 tomadas em média por cena. Em alguns casos ainda fazemos menos do que isso. Quando se trata de uma pessoa correndo da direira pra esquerda, fazemos por volta de 14, 15 tomadas.

Nas primeiras quatro tomadas eu não dou muita direção. Já haviamos ensaiado bastante e também conversado abertamente com todos sobre qual seria a intenção, então eles fizeram tudo sozinhos. Aí, por volta da tomada quatro ou cinco, eu falo "ok, eu sinto que o cara que está conduzindo a coisa toda parece estar meio travado, então eu preciso me concentrar em fazê-lo se mexer, tudo é centrado nele, então preciso refiná-lo". E então, enquanto eu o refino, eu vejo o que as pessoas estão fazendo do outro lado e eu falo "ok, quando eu for pra cobertura, eu preciso ter certeza de que eu tenho material onde eles não estão interessados, onde eles fingem que não estão interessados e onde eles estão realmente interessados no que está acontecendo". Então eu sei que preciso dessas três opções quando vou para o outro lado.

Então tudo acaba se tornando meio fractal. Você meio que descobre o espaço entre momentos onde você pensa "ah, é realmente bem interessante assistir ao outro advogado e como o advogado parece não estar com medo algum daquilo que o advogado do Zuckerberg está dizendo". Ele está apenas esperando para falar. Ele não está nem ouvindo, ele está somente esperando o outro cara terminar. E os Winklevosses estão do outro lado só "eu só quero gritar. Acredita no que esse cara está dizendo?" e o advogado deles "olha, é assim que são depoimentos. Eles vão tentar mostrar a vocês o que eles têm e daí decidir se vocês querem ou não continuar com o processo". Então é com esse tipo de coisa que você está lidando. Você deixa o ator por si só. E depois você começa a refinar. No processo do refinamento, você acha outras coisas interessantes, "isso é bom. Interprete aquilo. Eu preciso que volte e faça aquilo que estava fazendo no início, onde você meio que acelerou nisso". Então você pode fazer 20 tomadas e, nessas 20 tomadas com duas câmeras, pode ser que você ame a maior parte da tomada 14, mas o comecinho ficou ruim. Então a tomada 17 tem o melhor começo e a 20 tem o melhor final e é assim que você monta o esqueleto da coisa. Então agora, na maior parte, a cena será construida ao redor dessas coisas e você vai filmar outros pedaços que apóiem aquelas tomadas.

Você nota já no set que as tomadas 14 e 17, por exemplo, são as melhores?

Eu construo a cena toda em volta disso.

Então é no set que você descobre quais as tomadas que te agradam mais?

No set eu já penso "nós conseguimos alguma coisa por volta da tomada 14". A maioria da cobertura será a partir dessa ideia, eu ajusto o que todos estão fazendo para apoiar essa ideia. Então agora vamos para a cobertura dessas pessoas e vamos filmar quatro ou cinco tomadas onde eles podem fazer o que quiserem. E aí dizemos "ok, já conseguimos o queríamos desse lado, agora temos que conseguir a mesma coisa de você". Eu sento ali o dia todo para ter aquele momento de realização "essa é a resposta que eu queria da tomada 14 do outro lado". Pode ser que eu nem imprima as primeiras oito tomadas. Pode até ser que eu diga "não gostei, pareceu robótico, mas na tomada 14 eles realmente conseguiram". Aí vamos para os close-ups, e se tem um ótimo momento na tomada dois onde ele faz uma coisinha, então eu mantenho a tomada toda, mas só por causa daquele momento. Você passa por tudo novamente e faz um mix. Aí tudo é despachado e [os montadores] Angus Wall e Kirk Baxter vão rever tudo de novo e dizem "é interessante o que você está falando sobre a tomada 14, mas isso também acontece na tomada 12". Eles mandam de volta e eu digo "nossa, é verdade". É uma troca interessante e eu gosto do trabalho que eles fazem, me dá mais opções. Aí construimos uma versão da cena por cada ângulo onde colocamos só as melhores falas. E tudo isso às vezes é só pelo áudio. "Amo como a voz dele soou quando disse isso. Dá pra encaixar em alguma das tomadas que acabamos usando?"

Nos extras percebe-se como vocês juntam as tomadas X e Y com só a imagem da Z. Isso acontece com frequência nos seus filmes?

É o filme todo.

Então é constante?

Eu acho que Clube da Luta é um ótimo exemplo. Pelo fato de termos tanta narração que foi gravada duas ou três vezes. Pode ser que uma fala da gravação de fevereiro fique melhor para um certo ponto do filme. Então existem, provavelmente, para Edward Norton, por volta de 1.300 cenas no filme todo e por volta de 1.800 pedaços diferentes para se montar essa cena.

Só estou aqui pensando sobre tudo isso.

É. Pode até soar como xadrez tridimensional, mas não é tão difícil quando já está tudo certo para se fazer desse jeito. Você lança uma rede sobre a coisa toda e depois começa a peneirar. Isso não quer dizer que a performance seja construída; as performances são encorajadas. Se eu vou fazer com que pessoas façam a mesma coisa tantas vezes, eles precisam saber que, se me derem algo maravilhoso, estará no filme. Para mim, a ideia é libertar as pessoas. Eu quero erros. Eu quero as coisas que eles fazem quando são pegos não pensando sobre o que eles tem que estar fazendo.

Você tem o raro luxo de ter tempo de fazer tantas tomadas. E como você descreveu o seu modo de edição, eu não sei se conseguiria fazê-lo com apenas quatro tomadas.

Bem, dá pra ver tudo isso de uma maneira diferente, que é "o que diabos você está fazendo?". Você traz atores de todos os cantos do mundo simplesmente porque eles são as pessoas certas pra ler aquele texto, e você gasta semanas com eles em ensaios, aí então você chega lá e diz "agora vai, macaquinho treinado, faça desse jeito"? Isso não é incrivelmente desreipeitoso com o tempo de todos? Mas eu vejo tudo de uma certa forma. Existem muitos diretores que gostam de ter uma grua muito específica no set. O aluguel da tal grua custa US$3.000,00 por dia. US$3.000,00 é o preço da multa do sindicato por invadir o horário de almoço. É o custo de você ter mais 15 ou 20 minutos logo antes do almoço que permita que o ator faça algo de uma melhor forma. Eu sempre prefiro trocar cenas de helicópteros, steadicams e coisas do tipo por mais tempo com os atores. Eles sabem o que estão fazendo, eles já conhecem seus personagens. Eles já vêm de uma contribuição sólida e você quer que eles cheguem no ponto em que não pensem mais qual mão é qual e se pegaram ou não tal objeto. Depois que você faz a mesma coisa 16 vezes, você já pode fazer aquilo dormindo. Agora, quando você puder fazer tal coisa dormindo, vamos tentar fazer as palavras saírem de sua boca como se fosse a primeira vez que você as disse. É isso que estamos fazendo. Você senta lá e diz "será que a sala de conferência dos advogados dos Winklevosses não poderia ter mais mármore, mais madeira entalhada?". Sim, pode ser uma coisa bem mais elaborada. Precisa ser? Não. Será que eu não prefiro ter oito dias para filmar naquele lugar ao invés de seis? Então se eu tirar um pouco da elaboração, se não iluminar tanto, tirar um pouco da tela verde que eu queria para as janelas [em Zodíaco] terem a vista de São Francisco... Tirar essas coisas do meu orçamento. Eu penso "ok, então podemos colocar só um clarão nas janelas porque é assim que geralmente fica quando você filma alguma coisa e existe luz vindo da janela". Eu me importo com isso? Me dá mais dois dias com Andrew Garfield? Sim. Então eu gostaria de ter mais dois dias com Andrew Garfield. Eu prefiro dar mais algumas chances pra ele.

A trilha de comentários no Blu-Ray tem muitos momentos que foram censurados. Você sabia que eles tinham sido censurados?

Sim, eles certamente tirariam algumas coisas que eu disse. Olha, eu nem uso muitos palavrões, mas depois de quatro horas de comentários que acabam editados para duas horas... Eu acho que as coisas mais interessantes que eu disse tinham "fuck" em algum lugar.

Eu queria ir um pouco mais a fundo e dizer que você realmente passou o e-mail do Aaron Sorkin enquanto gravava os comentários.

[risos] Eu passei. As companhias põem aquele aviso - dizendo que os pontos de vista ali expressos não são necessariamente o ponto de vista deles - e depois te perguntam "por que você está dizendo isso? Você não precisa dizer isso". Mas eu disse, então foda-se. Nós acabamos entrando em uma discussão sobre o filme ser para maiores de 13 anos, e que eu não poderia falar daquele jeito... Que se foda. Esse é o jeito como eu falo e se você quiser usar meu comentário você vai ter que censurar os palavrões.

Concordo completamente. O que você acha de sessões-testes e o que mudou em seus filmes depois de sessões com a família e os amigos?

[pausa] Duas coisas bem diferentes...

Você faz sessões-testes em seus filmes?

Sim, eu tenho que fazer. Eu não fiz neste filme por causa de sites.

Não entendi.

Seguinte, não há dúvida de que a blogosfera é uma parte importante na hora de se fazer ouvir. É um lugar onde tudo é muito democrático e todos têm a chance de deixar sua mensagem e participar. O maior problema é que isso tudo reduziu a noção de autoria. Cinema é uma... Você tem que ter a porra da pré-temporada, tem que realizar exibições em outras cidades. Se tudo der certo vai todo mundo adorar o filme e então você tem que mostrar para um outro grupo de pessoas... E isso se tornou uma bagunça enorme: quem viu o quê primeiro, quem deu sua opinião primeiro. É tudo bem perigoso. Eu já ouvi falar de situações onde fóruns são bombardeados por relações públicas que trabalham para estúdios só para poder falar bem de seus filmes.

Mas, eu só estou curioso, na minha opinião você já alcançou um certo nível no seu trabalho em que você tem mais habilidade de dizer "não" a certas pessoas, dizer "vamos fazer desse jeito".

Mas não é nem isso. Ninguém vive isolado. Realmente, seria ótimo se fosse possível fazer isso, mas não é. Acho que foi Martin Scorsese que disse "ter poder de veto sobre o corte final do filme não te protege tanto assim, porque se o estúdio não pode falar com você eles podem falar com a sua mulher". Sabe o que estou dizendo? E eu já vi isso acontecer - quando alguém te pergunta a mesma coisa 13 vezes é difícil se manter verdadeiro consigo mesmo, porque você já respondeu a mesma coisa 10 vezes e cada vez mais você vai amolecendo. Produtores, gerentes de produção fazem isso o tempo todo: "Você realmente tem que fazer isso? Quantos extras precisamos pra essa cena?". E eles continuam perguntando, e quanto mais a pergunta é feita, mais você pensa "eu não preciso de 25 extras, eu posso fazer essa cena com apenas 18". Antes que você perceba, já consegue fazer com 16. E aí você começa a ir aparando diversos aspectos e, em vários casos, isso pode ser uma coisa positiva. Mantém você afiado, e, pra isso, é preciso fricção.

Mas é uma coisa difícil de se administrar. As pessoas que estão pagando pela produção não têm problema algum quando você diz "deixa eu pensar sobre isso". No momento em que você diz "quer saber? Vou fazer do meu jeito", é disso que eles se lembram. Eles sempre se lembram disso como ingratidão. Tudo era pra ser uma discussão e no momento em que não é mais uma discussão, vira um problema. Então é bem difícil trabalhar com esse tipo de coisa e eu tento desesperadamente ter certeza [de que tudo foi bem discutido]. É provavelmente por isso que eu já desisti de vários filmes e também já fui impedido de começar diversos outros filmes. Eu não acredito em engravidar e deixar pra decidir como será depois. Eu não posso mentir pra você e te dizer que vai custar 70 milhões de dólares quando na verdade vai custar 76 milhões. E eu também não posso exigir que você fique tomando decisões quando eu te perguntar se eu posso ter mais carros ou mais uma máquina de chuva. Em uma base hora-a-hora, se você ficar ligando para o estúdio perguntando coisas desse tipo, eles vão dizer "porra, mas é para isso que eu estou te pagando, para tomar esses tipos de decisão. Eu estou te pagando para gerenciar o dinheiro. Eu não quero ter que gerenciar o dinheiro à distância".

E ainda assim, eles [os executivos de estúdio] invariavelmente entram numa situação onde os chefes deles dizem que nós [os diretores] tomamos decisões arbitrárias em nossas cabeças, dizendo que tal coisa custa X. Eu li o roteiro de O Gângster, de Steve Zaillian - o nome era Superfly na época e eu queria tê-lo feito. Eu tive uma conversa por telefone com a cabeça do estúdio e ela me disse "quanto você acha que esse filme vai custar?" Eu disse "eu acho que provavelmente vai ficar por volta de 100 milhões de dólares, talvez 90". E ela disse "bem, nós achamos que tem que custar 45 milhões". E eu fiquei ali pensando "eu fiz Zodíaco [que é uma produção de época] e no seu filme vocês recriam o Harlem, tem situações de época, a Guerra do Vietnã...". Eu não sei como eles conseguiram.

Quando chega-se a uma discussão dessas, seja 5 milhões de dólares, aí você já não está mais falando de caminhões, iluminação, mão de obra. Você já está falando dos últimos 10%, a finalização, a habilidade de ter mais um pouco de tempo para capturar aqueles momentos. Eu vejo esse tempo que os atores têm em frente às câmeras - é para isso que estamos todos ali, é ali que tudo tem que acontecer. Muitas pessoas olham para produção de filme e pensam "vamos ver, a grua está lá, banheiros estão lá, os astros têm seus trailers, a produção tem seus trailers, o pessoal da maquiagem tem energia, seus secadores estão funcionando. Nosso trabalho está feito". Não, é agora que tudo vai começar! Quando tudo chega é que tudo começa, e não quando termina. E tem muita gente de produção que pensa que quando tudo já está lá, está tudo pronto. Os produtores nessa hora pensam que "agora ele já tem tudo de que precisa".

Agora eu quero te fazer algumas perguntas divertidas.

Divertidas!

Você recebeu agradecimentos especiais nos créditos de Wall-E. Por quê?

[pausa longa] Bem, eu não sei.

Acho que te deixei perplexo.

Jim Morris trouxe algumas pessoas ao set de Zodíaco. Eu acho que eles queriam conhecer Harris [Savides, diretor de fotografia] e acho que eles meio que estavam tentando descobrir como pintar com luz. Eles queriam ter a oportunidade de pensar em coisas nos termos de como você as realiza em live-action ao contrário de animação. E ele foi bem generoso com seu tempo, sentou com ele, e eu posso ter recebido um obrigado por causa disso.

Há rumores de que Vidas em Jogo vai sair em Blu-Ray pela Criterion. É verdade? Você sabe quando?

Sim, é verdade. E eu não sei quando porque eu ainda não tive tempo de ver isso. Eu já vi dois rolos do filme, ou até os três primeiros rolos, e está bom, mas eu acho que é uma questão de... A Gramercy foi comprada pela Universal, eu acho que acabou entrando para o nome da Universal Home Video e que eles têm poucos fundos para terminar a produção. Eu acho que a Criterion está tendo que juntar tudo... E eles são maravilhosos, fazem um ótimo trabalho. Então eu acho que eles estão tendo que cobrar todos os favores que podem para poderem fazer com que tudo isso funcione e eu não sei quando isso vai ser. Eu deveria saber.

Então quer dizer que é no futuro, mas está vindo.

Eu achava que era no primeiro trimestre deste ano, mas tenho certeza de que não vai acontecer se eu não for atrás.

Mas eu diria que você está de alguma forma envolvido nisso...

Não, eu vi algumas coisas que pareciam... Você sabe. Eu não gosto de revisitar certas coisas. É por isso que eu gosto de pôr o máximo de esforço em finalizar da maneira certa [um filme] logo da primeira vez, assim você não tem que ficar voltando. Quando você volta é sempre "o que eu fui fazer...".

Você realiza filmes muito específicos. Você se vê fazendo uma comédia romântica?

Achei que Clube da Luta fosse uma comédia romântica. [risos] Mas embora bem homoerótico e sobre narcisismo... Quando The Girl With the Dragon Tattoo apareceu, eu pensei "não, eu não posso fazer outro filme sobre serial killer. Preciso parar com isso". Mas pelo lado do estúdio nasceu essa ideia de que poderia existir... Eu tinha uma esperança de que pudesse existir uma franquia de filmes para adultos. E eu pensei "eu trabalhei muito por 20 anos, esperando que alguém dissesse algo desse tipo". Quando você tem uma oportunidade dessas, é ótimo.

Você está listado em alguns projetos: Heavy Metal, 20.000 Léguas Submarinas, The Killer, Chef...

Chef não vai mais acontecer.

Eu também estava curioso sobre The Reincarnation of Peter Proud.

Eu adoraria fazer esse filme. Ótimo roteiro.

E a minha pergunta é: você vê acontecendo algum desses projetos? Por que o nome de Guillermo Del Toro está ligado a umas oito coisas diferentes, mas ele está fazendo Nas Montanhas da Loucura.

Sim...

Esses projetos estão sendo escritos para você?

Sim...

Quando um deles vai sair?

É uma questão de as coisas se alinharem. Encontro com Rama tem uma ótima história e um papel incrível para Morgan Freeman, que é um ótimo ator e ficaria perfeito nesse caso. A questão era: será que conseguimos um script digno de Freeman? Será que conseguimos digno de Arthur Clark? Conseguimos fazer tudo isso num círculo que permita que o filme tenha as chances que quer ter? Por que queremos fazer um filme onde as crianças saiam do cinema e, ao invés de comprar um boneco, comprem um telescópio. Era isso que esperávamos. A esperança era, você sabe, interessar as pessoas no filme. Houve pessoas que se interessaram nessa ideia e nós nunca conseguimos um roteiro digno.

O que você pensa do 3D?

Acho bom... Quando é bem feito.

Você se imagina, em alguns dos seus futuros projetos, os fazendo em 3D?

20.000 Léguas Submarinas vai ser em 3D.

Basicamente, era isso que eu queria te perguntar. Obviamente a Sony enxerga aí uma grande franquia. Provavelmente vai querer fazer dois ou três filmes. A questão é, você seria capaz de, após terminar o primeiro, partir para o segundo?

Acredito que ainda seja preciso um roteiro para o segundo filme. O público precisa querer também. Existem muitos elementos que entram em jogo.

Você acha que 20.000 Léguas Submarinas pode ser seu próximo filme?

Eu acho que existem diversos filmes que podem ser meu próximo filme.

[risos] Você parece um político com essa resposta.

Bem, quer dizer, essa é a verdade.


Texto original : http://collider.com/david-fincher-interview-social-network-girl-with-dragon-tattoo/67432/



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