sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Blogs e portais na nova esfera pública

Por Luiz Motta em 1/2/2011

Reproduzido do Mídia&Política, edição 01/2011; intertítulos do OI

Lula deixa o poder com a maior popularidade jamais alcançada por um presidente do Brasil. Sua boa imagem pública não se deve apenas à original história pessoal, à bem-sucedida gestão econômica e ao relativo êxito da política de inclusão social. Deve-se também, em grande parte, a uma estratégia calculada de marketing político para criar e vender o produto Lula, transformado em marca da democracia midiática, na qual governantes tornam-se celebridades.

Lula faz parte de uma safra de presidentes latino-americanos pós-ditaduras, surgidos na virada do século sob o signo da mídia-política, quando a democracia se transformou aqui também num espetáculo e disputa em torno da visibilidade pública. Isso não quer dizer que Lula tenha sido um presidente vazio de conteúdo. Ao contrário, o marketing só é capaz de vender bem um produto que possui qualidades: além de forte carisma pessoal, Lula foi um governante hábil na gestão política, sabendo fazer alianças e, na administração da economia, respeitando o mercado.

O argumento deste artigo é que a boa imagem pública de Lula não é produto apenas de seu carisma ou êxito político e econômico: é resultado de um trabalho calculado de longo prazo de uma equipe de assessores profissionais. Ainda que a equipe tenha mudado no transcorrer dos oito anos (Duda Mendonça, João Santana, André Singer, Franklin Martins e outros), esse trabalho de marketing político marca o momento em que as esquerdas, particularmente o PT, se deram conta que na mídia-democracia o jogo se ganha na disputa pela imagem pública, mais que pelas diferenças ideológicas.

Crescimento dos veículos regionais

Lula não foi um telepresidente típico, como Hugo Chávez, por exemplo. Na verdade, sua estratégia de marketing o afastou propositadamente do contato direto com os grandes meios (ainda que ao final do segundo mandato ele tenha dado um número maior de entrevistas). Primeiro, porque o comportamento franco de Lula criava atritos com a grande mídia e gerava noticiário negativo. Segundo, porque a mídia manteve uma atitude hostil, no mínimo desconfiada, em relação a um operário-presidente. Terceiro, porque os marqueteiros sabiam que Lula tem forte empatia com a plateia nos contatos diretos. No primeiro governo – quando o marketing girou em torno das políticas de inclusão social – essa estratégia irritou jornalistas, mas pautou a mídia e produziu bons frutos políticos. Contornando a mídia, Lula falava diretamente com as massas e pautava a imprensa.

A tática de evitar a mídia e deixar Lula comunicar-se cara a cara com as plateias em linguagem coloquial não teria, é claro, dado resultado sem outras estratégias complementares. Como o programa radiofônico Café com o presidente, em que Lula conversou diretamente, em tom emocional, com os ouvintes. Ou a coluna "O presidente responde", enviada a cerca de 700 jornais do interior semanalmente, com cerca de 3 milhões de leitores.

Além disso, a Secretaria de Comunicação da Presidência descentralizou uma polpuda verba publicitária (R$ 180 bilhões em 2009), antes concentrada na mídia urbana. Ela passou a ser distribuída também para os veículos regionais de todo o país, obtendo em consequência maior espaço e tempo nos meios que falam mais diretamente aos moradores de cada cidade (ver artigo de Venício A. de Lima). Não é por acaso que o faturamento dos jornais do interior cresceu proporcionalmente muito mais que o dos grandes jornais.

Um anônimo exército de Brancaleone

Conquistado o segundo mandato, a estratégia de comunicação de governo foi centralizada. Como diz o ministro Franklin Martins, em palestra publicada pelo M&P, um dos pilares da comunicação do governo a partir de 2007 foi unificar o discurso em torno de grandes temas. A partir daquele ano, o marketing passou a girar em torno do desenvolvimentismo, enquanto prosseguiam as políticas de inclusão social.

O lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 foi um projeto muito bem arquitetado de marketing político que durou todo o segundo mandato, concentrando as ações de governo, mobilizando a máquina administrativa e os partidos da base aliada, visando as eleições de 2010. Lula e sua candidata (por ele apelidada "mãe do PAC") passaram a viajar por todo o país, lançando e inaugurando estradas, portos, estaleiros, usinas, escolas, salas de aula e o que mais houvesse. Deu certo, a popularidade de Lula cresceu e ele elegeu a sucessora.

Além disso, o marketing do governo Lula soube explorar bem as novas mídias eletrônicas, particularmente as redes sociais. Embora parte desse trabalho tenha ficado com militantes e partidos políticos, foi através da internet que o governo contornou a amplificação dos escândalos nos jornais e telejornais de referência, e as hostilidades da grande mídia (particularmente do colunismo) nos dois últimos períodos eleitorais. Esse fator novo da política retirou parte do poder antes acumulado na mídia tradicional.

Mais jovem e mais aguerrida, a esquerda soube tirar maior proveito do potencial político das redes sociais. O potencial do ciberespaço decorre de sua capacidade de apurar, produzir e veicular informação rápida em grande escala, de maneira barata, interativa e descentralizada. Capacidade que a grande mídia não possui. No dizer de um analista, formou-se nos últimos anos um novo e anônimo exército de Brancaleone que, de forma surpreendente, começa a ganhar algumas batalhas da informação dos grandes meios. Embora essa informação escape muitas vezes do controle, o marketing do governo Lula soube tirar proveito de práticas descentralizadas, fora do âmbito do jornalismo de referência.

Um novo espaço público?

Ciente dos fatores a favor, Lula pronunciou em setembro de 2010 a sua famosa frase: "Os jornais se comportam como partidos políticos, mas eu não preciso da imprensa para governar. Pobre não aceita o tal de formador de opinião, nós mesmos nos formamos", que provocou a ira da mídia na época. Ou ainda a não menos polêmica declaração: "Não leio jornais porque eles me dão azia." Lula estava rebatendo a declaração anterior (18 de março) da presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito: "A imprensa está fazendo, de fato, oposição... porque a oposição está profundamente fragilizada."

Essa contundente guerra de acusações persistiu na mídia em todo o período Lula, com breves momentos de trégua. Por um lado, a mídia exerceu uma marcação feroz: estimulou um colunismo raivoso de pensamento conservador e amplificou desmesuradamente os escândalos políticos nas notícias, levando o governo às cordas. Por outro lado, o governo e os partidos aliados respondiam dramatizando os conflitos: desenvolveram no cotidiano uma permanente campanha eleitoral do "nós contra eles". A tática foi retrucar sempre, não deixar nada sem resposta, como confirma Franklin Martins, em palestra transcrita nesta edição. Paralelamente, por meio da redistribuição da verba publicitária e fornecimento de material jornalístico, o governo empoderou a mídia regional e potencializou o uso das novas mídias, como vimos.

Nos oito anos de governo Lula, o campo da mídia centralizou grande parte do jogo político. A mídia consolidou-se como espaço privilegiado da disputa pela visibilidade: instalou-se definitivamente entre nós a tele-política, uma política performática que transcorre cada vez mais nas páginas e telas, cada vez menos nos espaços confinados do parlamento e dos partidos políticos. E a informação confirmou-se como arma estratégica das batalhas, das vitórias e derrotas políticas.

Paradoxalmente, entretanto, foi neste mesmo período que uma nova mídia veio perturbar a centralidade dos grandes meios. Independentes, ágeis e interativos, os blogs e portais de todo tipo, somados às redes sociais, estão aos poucos solapando o poder da grande mídia e transferindo-o para o ciberespaço, uma nova esfera pública da política brasileira. O período Lula foi um laboratório natural para observar essa mudança significativa na democracia de massas. Um espaço aparentemente mais livre e equânime está se constituindo, aonde talvez a democracia venha a ser exercida de maneira virtual. Um jogo cujas regras não foram ainda imaginadas pelos cientistas sociais e menos ainda pelos políticos e partidos.

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