quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

WikiLeaks contra o Império


Élio Gaspari - Élio Gaspari
O Globo - 01/12/2010

Adiplomacia americana levará tempo para se recuperar da pancada que levou da WikiLeaks. Tudo indica que 260 mil documentos sigilosos foram copiados por um jovem soldado num CD enquanto fingia ouvir Lady Gaga, cantarolando "Telephone": "Pare de ligar, eu não quero falar." Um vexame para um país que gasta US$75 bilhões anuais num sistema de segurança que agrupa 1.200 repartições, contrata 2 mil empresas privadas e emprega mais de um milhão de pessoas, das quais 854 mil têm acesso a informações classificadas. A WikiLeaks não obteve documentos que circulam nas camadas mais secretas da máquina, mas produziu aquilo que o historiador e jornalista Timothy Garton Ash classificou de "sonho dos pesquisadores, pesadelo para os diplomatas". As mensagens mostram que mesmo coisas sabidas têm aspectos escandalosos. A conexão corrupta e narcotraficante do governo do Afeganistão é velha como a Sé de Braga, mas ninguém imaginaria que o presidente Karzai chegasse a Washington com um assessor carregando US$52 milhões na bagagem. A falta de modos dos homens da Casa de Windsor é proverbial, mas o príncipe Edward dizendo bobagens para estranhos no Quirguistão incomodou a embaixadora americana. O trabalho da WikiLeaks teve virtudes. Expôs a dimensão do perigo representado pelos estoques de urânio enriquecido nas mãos de governos e governantes instáveis. Se aos 68 anos o líbio Muamar Kadafi faz-se escoltar por uma "voluptuosa" ucraniana, parabéns. O perigo está na quantidade de material nuclear que ele guarda consigo. A revelação do interesse chinês na reunificação das Coreias chega a ser um fator de alívio. Os seis telegramas relacionados com o Brasil já divulgados cumpriram uma escrita apontada domingo por Garton Ash. Revelaram a boa qualidade dos relatórios dos diplomatas americanos. Falta ver os 1.941 restantes. O embaixador Clifford Sobel narrou a inconfidência do ministro Nelson Jobim a respeito de um tumor na cabeça do presidente boliviano Evo Morales. Seu papel era comunicar. O de Jobim era não contar. Faz bem a Pindorama saber que seus sabiás gorjeiam impertinências. A vergonha americana pede que se relembre o trabalho de 10 mil ingleses, entre eles alguns dos maiores matemáticos do século, que trabalharam em Bletchley Park durante a Segunda Guerra, quebrando os códigos alemães. O serviço dessa turma influenciou a ocasião do desembarque na Normandia e permitiu o êxito dos soviéticos na batalha de Kursk (o maior enfrentamento de blindados da história, apesar de haver gente acreditando que isso aconteceu no Morro do Alemão). Terminada a guerra, o primeiro-ministro Winston Churchill mandou destruir os equipamentos e apagar todos os vestígios da operação, mantendo o episódio sob um manto de segredo. Ele só foi quebrado, oficialmente, nos anos 70. Com a palavra Catherine Caughey, que tinha 20 anos quando trabalhou em Bletchley Park: "Minha grande tristeza foi ver que meu amado marido morreu em 1975 sem saber o que eu fiz durante a guerra." Alan Turing, um dos matemáticos do parque, matou-se em 1954, condenado pela Justiça por conta de sua homossexualidade, mas nunca falou do caso. (Ele comeu uma maçã envenenada. Conta a lenda que, em sua homenagem, esse é o símbolo da Apple.)

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