domingo, 5 de dezembro de 2010

Projeto de TV paga provoca polêmica

Autor(es): Renato Cruz
O Estado de S. Paulo - 05/12/2010

Proposta de lei de TV por assinatura dá superpoderes à Ancine, diz jurista


Quem acompanhou, na semana passada, a audiência no Senado sobre o Projeto de Lei Complementar 116, pode ter achado que existe um apoio unânime das empresas às mudanças nas regras de TV por assinatura. Longe disso. Para atores importantes desse mercado, a aprovação do texto como está é inadmissível.

Na visão do jurista Ives Gandra Martins, o projeto cria mecanismos de controle de conteúdo ao dar superpoderes à Agência Nacional de Cinema (Ancine), atentando contra o direito constitucional de liberdade de expressão. Foi a Sky, empresa de TV paga via satélite, que contratou parecer do jurista.

"De rigor, os dispositivos são cerceadores dos meios de comunicação", diz Gandra Martins. "Há uma violência em diversos dispositivos. O próprio conteúdo da informação passa a ser limitado pelos artigos."

O projeto prevê que as empresas de programação ou empacotamento de conteúdo precisarão ser credenciadas pela Ancine. O artigo 36 determina que, se essas empresas descumprirem as obrigações definidas pela lei, estão sujeitas a multa, suspensão ou até cancelamento de seu credenciamento.

"Entraríamos numa espécie de ditadura semelhante à do Mussolini, do Hitler e do Stalin, que existe ainda em Cuba e começa a acontecer na Venezuela", disse Gandra Martins. "O projeto dá à Ancine poder punitivo ao exercício da liberdade de expressão toda vez que essa não se sujeitar às restrições impostas pela agência. Essa excessiva regulamentação objetiva facilitar a vida dos amigos, dificultar a dos inimigos e fazer um controle efetivo sobre a comunicação."

Segundo o jurista, o PLC 116 tem pontos de contato com os projetos do Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ) e da criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), apresentados no começo do governo Lula e que não prosperaram, identificados como ameaças à liberdade de expressão.

"Se conseguirem aprovar o projeto e isso não for contestado no Supremo Tribunal Federal, é um caminho aberto para o controle de imprensa", alertou Gandra Martins. "Eles começam numa área de expressão menor, a TV paga. Se conseguirem, por que não avançar e atingir todos os meios de comunicação?"

Oposição. Além da Sky, estão entre os que defendem mudanças no projeto os radiodifusores Bandeirantes e SBT e os canais internacionais de TV paga. Os principais pontos polêmicos são três: a criação de cotas de conteúdo nacional, a proibição aos radiodifusores de controlar empresas de TV paga e o papel proposto para a Ancine no setor.

Na semana passada, representantes das operadoras de telecomunicações, das empresas de TV paga, dos produtores independentes e da Ancine defenderam a aprovação do chamado PLC 116 (que, na Câmara, era conhecido por PL 29) ainda este ano. Para terça-feira está marcada uma nova audiência no Senado para tratar do projeto.

Os canais internacionais, representados pela Associação Brasileira de Programação de Televisão por Assinatura (ABPTA), defendem que o PLC 116 seja discutido no Senado, como foi na Câmara. "A implantação de cotas fere o conceito de grade de canal e a própria natureza da TV por assinatura", disse Carlos Alkimim, diretor executivo da ABPTA. "Queremos tempo para discutir todas essas particularidades".

Além de criar uma proporção de um canal brasileiro em cada três ofertados nos pacotes das empresas (dependendo do tipo de conteúdo), o projeto obriga os canais internacionais a colocarem produções nacionais em sua programação, de no mínimo 3h30 semanais no horário nobre.

Na visão de Alkimim, uma política de fomento seria mais eficiente do que as cotas. "Nos últimos quatro ou cinco anos, 85 novas obras foram coproduzidos, com investimento de R$ 150 milhões", disse o diretor da associação, referindo-se às parcerias entre produtores brasileiros e canais internacionais. Segundo ele, metade dessa produção foi resultado da política de fomento, e a outra metade foi uma resposta ao próprio mercado.

O diretor da ABPTA destacou que a Ancine funciona hoje como uma agência de fomento. "Dar a ela um cunho fiscalizador não está de acordo com a natureza com que foi concebida", disse Alkimim. "Já existe a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para exercer esse papel." O projeto prevê que a Ancine poderia aplicar multas de R$ 2 mil a R$ 5 milhões.

Capital. A Lei do Cabo, atualmente em vigor, foi promulgada em 1995, e impõe limite de 49% ao capital estrangeiro nas empresas de cabo. O PLC 116 surgiu como uma proposta de se acabar com a restrição, já que as Organizações Globo têm interesse de vender sua participação na Net à Embratel (que pertence ao bilionário mexicano Carlos Slim Helú) e o Grupo Abril tem interesse em vender sua fatia na TVA à espanhola Telefônica.

Durante a tramitação na Câmara, foram criadas as cotas de programação, num texto cada vez mais complexo, que acabou desagradando à maior parte das empresas. As teles e a maioria das companhias de TV paga acabaram concordando com as cotas para que o projeto não demorasse ainda mais no Congresso.

A Bandeirantes e o SBT são contra um dispositivo que impede radiodifusores de controlar empresas de TV paga. O SBT é dono da TV Alphaville, em São Paulo, e a Bandeirantes da TV Cidade, que tem TV a cabo em 16 cidades brasileiras, e enfrentou problemas financeiros sérios.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciou no mês passado novas regras para a TV paga, que, na prática, abririam o mercado às teles, apesar de não acabarem com a restrição legal ao capital estrangeiro. Essa decisão tornou mais urgente a aprovação da lei.

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