sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Mentes blindadas, dedos cortados


Ana Estela de Souza Pinto

FOLHA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO - É tudo muito rápido.
Um maluco mata 20 crianças numa escola americana e dezenas de empresas saem propagandeando mochilas e coletes à prova de balas.
"Para pais protetores e preocupados", diz o site de um fabricante. E certamente insensíveis ao peso que as crianças já carregam nas costas.
Em São Paulo, mais um prédio de luxo sofre um arrastão e firmas de segurança correm a divulgar seus sistemas biométricos, em que a porta do seu lar só se abre ao contato do dedo indicador direito dos cadastrados.
Anteontem, professores de defesa pessoal ganharam as telas do mundo todo e as escolas da Índia depois que uma moça foi absurdamente estuprada por um grupo de homens.
Que tal vender lingerie antiestupro, metálica, "para pais protetores e preocupados"? Nada contra o empreendedorismo, nem mesmo contra o oportunismo. Mas o mercado de soluções individuais para problemas coletivos é tão ágil quanto inútil.
Se não, vejamos: a não ser que vá à escola de armadura, nenhuma criança será protegida de tiros no crânio, por mais que o comercial de um fabricante mostre uma garotinha ajoelhada segurando a mochila sobre a cabeça como um escudo.
O ladrão que precisar de uma impressão digital para o roubo arrastará consigo o morador. Na melhor das hipóteses. Na pior, ele leva só o dedo.
Já a sugestão bizarra de um cinto de castidade moderno esbarra no complicador óbvio: a dona do equipamento de segurança não poderia estar com a chave do cadeado.
No império do individualismo possessivo, faz sentido que o "cidadão consumidor" -nova vedete dos marquetólogos corporativos e eleitoreiros- se encante com tão mágicas soluções: pague-me uns trocados e eu o manterei a salvo dos horrores lá de fora. Enquanto não inventarem também uma blindagem mental 100% garantida, os que quiserem continuar fingindo que a sociedade e a cultura não existem sempre podem enfiar suas cabeças na areia. De graça.

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