quarta-feira, 4 de maio de 2011

RUY CASTRO - Mallarmé reescrito

RIO DE JANEIRO - Pronto. Já não se pode nem atacar uma fortaleza nas breubas do Paquistão, à uma da madrugada e sob o maior sigilo -tanto sigilo que nem o país que abriga a fortaleza podia ficar sabendo. Pois, com todos esses cuidados, não faltou alguém insone e sem o que fazer, tuitando noite afora, e que, ao ouvir helicópteros àquela hora imprópria, transmitiu para o mundo o que estava havendo.
No passado, a história sempre aconteceu aos olhos de testemunhas anônimas e distraídas, que mal percebiam o que estava se passando. E, se percebessem, não faria diferença porque, pelo menos antes do telégrafo, meados do século 19, não tinham para quem contar ou suas mensagens levavam semanas para chegar ao destino. E, quando chegavam, a situação na origem da informação já teria mudado de novo e não correspondia mais àquela realidade.
Mas isso acabou. A história perdeu a inocência. Não importa o que aconteça -nem onde, quando ou como-, sempre haverá alguém para registrar aquilo de alguma forma, em "tempo real", alta definição e, não demora, 3D, podendo ser captado por milhões. O poeta Mallarmé dizia que tudo existe para acabar num livro. Se vivo hoje, diria que tudo acontece para acabar numa telinha de três polegadas.
O tuiteiro poderia ter chegado à janela de sua casa em Abbottabad, apontado o celular para o céu, filmado a chegada dos helicópteros e transmitido tudo aquilo, com som e imagem, para seus colegas tuiteiros da madrugada. Se não o fez, foi porque não calhou.
Mas pode-se prever que, daqui em diante, jovens tuiteiros ficarão de olho nas nuvens e maquininha na mão, torcendo para que algo aconteça e os torne famosos.
A casa onde Bin Laden se escondia chamou atenção porque não tinha telefone nem internet. Pois é, existe coisa mais suspeita, alguém não ter telefone ou internet?

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