quarta-feira, 27 de abril de 2011

ANNA VERONICA MAUTNER - Ode a Gagarin


Quero lembrar o dia em que a humanidade se fez uma. Há 50 anos, uma voz do espaço disse: 'A Terra é azul!'

GENTE "de mais". Tempo de menos. Diversidade "de mais". Tolerância de menos.
Será que o doloroso momento que vamos vivendo é só feito desses ingredientes, nessas medidas?
Está bem difícil afinar tantos "de mais" com tantos de menos. O instinto de sobrevivência nos leva a procurar proteção, evitando excessos.
Só não podemos nos esquecer que precisamos nos acostumar a que os "de mais" e os "de menos" existem, que devemos conviver com eles e, para isso, temos que aprender ou reaprender a nos acostumar. E a gente só se acostuma na base de mais e mais repetições.
Eu, assim como qualquer outra pessoa, só perco o medo do trovão se tiver visto e ouvido muitos pelo correr da minha vida. Sem "muitos", não perco o medo.
Não é vivendo isolado que vou me acostumar a ficar tranquilo no meio de uma multidão.
Preciso ter nela mergulhado, tê-la amado ou tê-la detestado. Mas não é me blindando que vou ficar à vontade no meio de muita gente.
Multidão tanto aconchega quanto ameaça. Para distinguir um estado de ânimo do outro, só me arriscando em muitos mergulhos.
A multidão virtual é bem, mas bem diferente de uma passeata, de um comício ou de uma rebelião.
Quero me lembrar de um dia em que a humanidade se fez uma. Um momento em que todas as consciências bateram no mesmo ritmo.
O mundo todo aplaudiu e sabíamos que era verdade, que tudo aconteceu mesmo.
Foi quando, há 50 anos, uma voz surpreendida, vinda do espaço, aonde até então nós não íamos, disse: "A Terra é azul!" O primeiro homem, pela primeira vez, nos viu de longe e admirou-se: imediatamente nos surpreendeu com sua exclamação.
Podíamos até desconfiar, mas, até então, com certeza, nós só podíamos saber que o céu era azul, quando não estava nublado.
Aí, Gagarin nos congraçou e todos nós vimos e fomos vistos pelos olhos de um só. E, porque assim foi, acreditamos sem pedir confirmação.
Que grande momento foi aquele! Felizes dentre todos somos nós que o ouvimos. Estávamos vivos e tínhamos acesso tecnológico a esse som que veio de longe.
Pela primeira vez, pelos olhos de um, nós todos, de supetão, nos enxergamos.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

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