quarta-feira, 23 de março de 2011

China endurece censura no meio digital

The New York Times
Sharon La Franiere e David Barboza
Em Pequim (China)


  • No ano passado, o Google fechou seu serviço de busca na China e redirecionou os usuários locais para o site de Hong Kong da empresa
  • No ano passado, o Google fechou seu serviço de busca na China e redirecionou os usuários locais para o site de Hong Kong da empresa
Se alguém se perguntava se o governo chinês endureceria seu controle sobre as comunicações eletrônicas desde que protestos começaram a tomar o mundo árabe, Shakespeare pode provar instrutivo.
Um empreendedor de Pequim, ao discutir opções de restaurante com sua noiva por celular na semana passada, citou a resposta da rainha Gertrudes a Hamlet: “A moça protesta demais, penso eu”. Na segunda vez que ele disse a palavra protesto, o telefone dela foi cortado.
Ele falava em inglês, mas outra pessoa, repetindo a mesma frase na segunda-feira em chinês, em um telefone diferente, também teve a ligação cortada.
Muitas evidências nas últimas semanas mostram que as autoridades chinesas estão mais determinadas do que nunca a policiar ligações por celular, mensagens eletrônicas, e-mail e acesso à Internet, visando sufocar qualquer indício de sentimento antigoverno. No jogo de gato e rato que caracteriza as comunicações eletrônicas aqui, analistas sugerem que o gato está ficando maior, especialmente desde que revoltas começaram a ricochetear pelo Oriente Médio e Norte da África, e esforços locais para organizar protestos em cidades chinesas começaram a circular pela Internet há aproximadamente um mês.
“Os linhas-duras conquistaram o campo e agora estamos vendo como dirigirão o lugar”, disse Russell Leigh Moses, um analista em Pequim da liderança chinesa. “Eu acho que eles estão tirando as luvas.”
No domingo, o Google acusou o governo chinês de derrubar seu serviço Gmail no país e fazer com que a culpa parecesse ser de problemas técnicos do Google –e não da intervenção do governo.
Várias redes privadas virtuais (VPNs) populares, projetadas para driblar os censores computadorizados do governo, foram derrubadas. Isso levou a protestos até mesmo de usuários como alunos colegiais, com projetos de pesquisa para a escola, os colocando em uma busca frustrada para substitutas capazes de perfurar o chamado Grande Firewall, um menu de censura direta e “orientação de opinião” que restringe o que os usuários da Internet podem ler ou escrever online. As VPNs são populares entre a imensa comunidade estrangeira na China e entre os empreendedores, pesquisadores e acadêmicos chineses, que esperam usar livremente a Internet.
Em um pedido de desculpas aos clientes na China pela interrupção do serviço, a WiTopia, uma provedora de VPN, citou “aumento das tentativas de bloqueio”. Nenhum perpetrador foi identificado.
Além desses problemas, evidências sugerem que os computadores do governo, que interceptam os dados e os comparam com uma lista que muda constantemente de palavras-chave proibidas ou sites, estão bloqueando ainda mais informação. O motivo é frequente e óbvio: há seis meses ou mais, os censores têm impedido pesquisas no Google da palavra “freedom” (liberdade) em inglês.
Mas outros termos ou sites são repentinamente ou esporadicamente bloqueados por motivos que nenhum usuário comum pode entender. Um consultor de tecnologia de Pequim, que pediu para não ser identificado por temer retaliação contra sua empresa, disse que por vários dias na semana passada ele não pode visitar o site da Bolsa de Valores de Hong Kong sem um servidor proxy. O LinkedIn, uma rede social com viés profissional, foi bloqueado por um dia durante o auge das preocupações do governo com as convocações pela Internet para protestos em cidades chinesas há algumas semanas.
Hu Yong, um professor de mídia da Universidade de Pequim, disse que os censores do governo avistam e reagem constantemente às novas ameaças percebidas. “A tecnologia está melhorando e a número de termos sensíveis está expandindo, porque a profundidade e amplitude das coisas que precisam administrar continuam crescendo”, disse Hu.
A máquina de censura da China está funcionando de modo cada vez mais eficiente desde meados de 2008, e as restrições antes vistas como temporárias –como as proibições ao Facebook, YouTube e Twitter– agora são consideradas permanentes. Alternativas aprovadas pelo governo surgiram e desenvolveram um público.
Poucos analistas acreditam que o governo perderá o controle tão cedo, diante de eventos que considera politicamente sensíveis preenchendo o calendário, como a mudança na liderança do Partido Comunista no próximo ano.
“Ele dobrou a guarda, e então dobrou a guarda, e você nunca ouve anúncios sobre o relaxamento das coisas”, disse Duncan Clark, presidente da BDA China, uma consultoria de estratégia e investimento com sede em Pequim, e que mora na China há 17 anos. “Nós nunca vimos tamanho controle desde que cheguei aqui, e estou aqui desde o início da Internet.”
O quanto a China restringirá as comunicações eletrônicas é incerto. “Há muito mais que eles podem fazer, mas estão se contendo”, disse Bill Bishop, um especialista em Internet em Pequim. Alguns analistas sugerem que as autoridades estão explorando quanta inconveniência os chineses estão dispostos a tolerar. Apesar de o sentimento ser difícil de avaliar, certo segmento da sociedade rejeita a censura.
Para muitos usuários, uma VPN que não funciona é uma inconveniência, não uma crise. Mas consultores de Internet dizem que a interferência no serviço de e-mail, do qual as pessoas dependem diariamente, é mais sério. “Como as pessoas responderão será mais intenso, mais visceral”, disse um consultor.
O Google começou a receber queixas de usuários do Gmail e de seus próprios funcionários na China há aproximadamente um mês, por volta de quando postagens anônimas na Internet convocavam as pessoas descontentes com o governo a se reunirem todo domingo. Alguns usuários do Gmail viam seu serviço ser desativado quando tentavam enviar ou salvar mensagens.
Os engenheiros determinaram que não ocorreram problemas técnicos por parte do Google, disse a empresa: foi a mão do governo que esteve em ação. O Ministério das Relações Exteriores da China não respondeu aos telefonemas ou às perguntas enviadas por fax na segunda-feira sobre a declaração do Google.
A interferência em sites e conexões de Internet é uma tática padrão aqui para lidar com empresas que caem em descrédito junto ao governo. Mark Seiden, um consultor de Internet, disse que as autoridades chinesas geralmente deixam empresas e usuários tentando imaginar o motivo. “Se suas coisas não funcionam na China, você realmente não sabe o motivo”, disse Seiden.
Mas no caso do Google, um artigo no site do “Diário do Povo”, a publicação oficial do Partido Comunista, ofereceu uma forte pista. O artigo de 4 de março, atribuído a um cibercidadão, descrevia o Google como uma ferramenta do governo americano. Como o Facebook e o Twitter, dizia o artigo, o Google “exerce um papel na criação de desordem social”, buscando se envolver na política interna de outros países.
A China vem tratando o Google como ameaça há algum tempo. No ano passado, o Google fechou seu serviço de busca e redirecionou os usuários chineses para o site de Hong Kong da empresa, após dizer que a China esteve por trás de um ciberataque contra as contas do Gmail. Mas Moses, o analista de Pequim, disse que a mais recente repressão ao Gmail e outras formas de comunicação eletrônica vai além.
“O modelo para este governo é que todo dia traz um novo desafio e é uma nova oportunidade para demonstrar a força do Estado aqui”, ele disse. “Há uma clara confiança na capacidade das autoridades políticas de manter a ordem.”

*Jonathan Ansfield, em Pequim, e Claire Cain Miller, em San Francisco (EUA), contribuíram com reportagem. Jonathan Kaiman e Li Bibo, em Pequim, contribuíram com pesquisa

Tradução: George El Khouri Andolfato

Nenhum comentário:

Postar um comentário