segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Hélio Schwartsman - Maldita partícula

SÃO PAULO - Partícula de Deus, rosa, Sacro Império Romano-Germânico. O que há por trás de um nome? As complexidades envolvidas no ato de nominar não passaram despercebidas pelos antigos, do que dá mostra a célebre querela dos universais.

A questão é colocada de modo quase poético no problema do nome da rosa. Para Abelardo (1079-1142), designadores universais, como "homem", ou melhor, a "hominidade", existem apenas como pensamentos em nossas mentes -e não concretamente no mundo das ideias, como defendia Platão, ou em cada um dos homens, como queria Aristóteles.

Assim, o nome "rosa", mesmo que não houvesse mais rosas, ainda significaria algo em nossas cabeças, ou a própria proposição "não existem rosas" deixaria de ter sentido.

Usando uma terminologia um pouco mais atual, nomes podem designar alguma coisa (referência), como no caso de "esta rosa", ou funcionar como uma fórmula-resumo (significado), uma idealização do conceito de rosa que nos permite reconhecer qualquer rosa.

É claro que as funções de referência e significado nem sempre batem. Como observou Voltaire, o Sacro Império (designação dada ao mosaico de Estados alemães entre 962 e 1806) não era sagrado, nem era um império, nem era romano. Bem, pelo menos ele era germânico.

O quase recém-descoberto bóson de Higgs, também conhecido como "partícula de Deus", é outro caso de inadequação entre referência e significado. O apelido surgiu em 1993, como título do livro do físico Leon Lederman: "The God Particle" (a partícula de Deus). O problema é que esse título foi, segundo o autor, dado contra a sua vontade. Lederman queria chamar o livro de "maldita partícula" ("goddamn particle"), "porque ninguém conseguia achá-la". Esperto, o editor ficou só com a primeira sílaba, "God", e a obra e o apelido foram um sucesso. Agora, parece, até encontraram a maldita partícula.

helio@uol.com.br

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